Família de botocudos em marcha, Jean Baptiste Debret
Os índios viviam em aldeias, praticando a agricultura, a caça, a pesca e a coleta [...]. Essas aldeias podiam mudar de lugar depois de alguns anos à medida que as comunidades necessitavam deslocar-se à procura de locais mais apropriados ao exercício das atividades que lhes garantiam a sobrevivência, áreas de solo mais rico ou regiões de maior abundância de caça, peixes ou frutas de acordo com as estações. Assim, as populações indígenas tinham grande mobilidade e poucos bens, que deviam ser transportados de um lugar a outro.
Os tupis-guaranis cultivavam basicamente a mandioca, mas também podiam plantar milho (também usado na fabricação de bebidas fermentadas), feijão, batata-doce. Alguns plantavam cará, abacaxi, abóbora, além de algodão e tabaco. Consumiam praticamente tudo que produziam e nunca formavam grandes estoques. O objetivo de seu trabalho não era a acumulação de bens.
O índio só tinha a propriedade pessoal de suas armas e enfeites e partilhava todo o resto, principalmente os produtos da caça, pesca e coleta. Entre os índios, dentro de cada aldeia, o acesso aos recursos naturais era livre. A inexistência de bens privados entre os nativos e a harmonia reinante no interior de cada aldeia impressionou muito os viajantes. [...]
Essa generosidade, segundo Léry, abrangia todos que estivessem sob o mesmo teto, incluindo os inimigos. Esse cronista observou que os índios preferiam as pessoas alegres, falantes e generosas e detestavam as tristes, de pouca conversa e as avarentas. Léry admirou também o desprendimento dos bens materiais que caracterizava os índios e, a propósito, narrou uma conversa que teve com um velho tupinambá a respeito dos motivos que moviam os europeus na busca do pau-brasil. [...]
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Comparando os europeus e "os selvagens", Léry afirma que estes dão "mais importância à natureza e a fertilidade da terra do que nós ao poder e à providência divina e detestam os piratas dos quais havia tantos na Europa e nenhum entre eles".
A divisão das tarefas na sociedade indígena determinava que além de caçar, pescar, cortar lenha e combater, os homens construíssem canoas e cabanas e limpassem o terreno para o plantio da lavoura. As mulheres plantavam, colhiam, preparavam o alimento, fiavam, teciam, faziam cestos e potes de barro e coletavam frutos, raízes e insetos comestíveis, cuidavam da casa e das crianças. Como o seu trabalho era diário e constante e o dos homens, ainda que pesado, era mais espaçado, a primeira impressão dos europeus era de que os homens eram mais indolentes. No entanto, eles eram capazes de grandes esforços físicos como viajar centenas de quilômetros, correr dias inteiros, remar por grandes distâncias, carregando grandes pesos desde que todas estas atividades tivessem um propósito útil aos seus olhos. Apenas faziam questão de trabalhar quando e como quisessem, sem supervisão e cobranças. [...] De acordo com as necessidades, os índios eram capazes de confeccionar cestos, redes, armas, enfeites, canoas, cabanas e ferramentas simples. As crianças participavam das atividades produtivas conforme sua capacidade física e aprendiam suas tarefas observando os adultos.
Tipos diferentes de flechas de indígenas brasileiros, Jean Baptiste Debret
É interessante ressaltar que, apesar das descrições bastante depreciativas dos índios - chamados de selvagens, bestiais, ignorantes - nenhum dos cronistas dos séculos XVI e XVII consideram-nos indolentes ou preguiçosos. Essa imagem foi elaborada no século XIX, quando se quis explicar as razões de empregar o negro no trabalho escravo. A qualidade de trabalhador obediente e submisso atribuída ao negro foi contraposta à preguiça, incapacidade e rebeldia do índio. Nessa época, só restavam poucos índios nas proximidades do litoral, vivendo em aldeias miseráveis, onde era impossível produzir o suficiente para o mercado, com sua cultura tradicional quase toda perdida. Frequentemente embriagados e sujos, causavam a pior das impressões. [...] Os brancos avançavam sobre suas terras, justificando as investidas com o fato de elas não serem devidamente (segundo padrões europeus) utilizadas.
Na segunda metade do século XIX, estruturou-se uma nova ciência, a antropologia, que se propunha a estudar os povos ditos primitivos. Entre os inúmeros cientistas estrangeiros que visitaram o Brasil nessa época, vieram antropólogos, como o alemão Karl von Steinen que, ao iniciar o estudo científico das culturas indígenas brasileiras, começou a mudar sua imagem, valorizando-as como grande herança cultural da humanidade. [...]
Conjunto de diferentes formas de choças e cabanas, Jean Baptiste Debret
Geralmente, uma aldeia consistia de quatro ou mais casas compridas, de teto abaulado feito de sapé, construídas uma ao lado da outra ao redor de uma praça, onde ocorriam as reuniões e as festas. A aldeia era cercada por um fosso ou uma paliçada. Dentro de cada uma dessas cabanas, as malocas, viviam coletivamente várias famílias. No dia-a-dia, cada família (pai, mãe e filhos) era auto-suficiente; na produção e reprodução das condições gerais de existência, o indivíduo dependia da comunidade aldeã.
MESGRAVIS, Laima; PINSKY, Carla Bassanezi. O Brasil que os europeus encontraram. São Paulo: Contexto, 2000. p. 38-44.
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