Cultura maia. Calcário com traços de tinta. Ca. 785 A.D.
Durante milhares de anos, a escrita foi apenas conhecida por um pequeno número de homens nas cidades-estados e nos impérios do Médio Oriente, no Egipto, na Índia e na China.
Depois, o facto de aprenderem a escrever mudou a maneira de pensar e de compreender o mundo. Os que tinham ideias novas puderam dá-las a conhecer, não apenas aos que lhes estavam próximos, mas, graças aos rolos ou aos livros manuscritos, às pessoas que poderiam estar mais afastadas. Sobretudo, graças à escrita, os seus conhecimentos e maneiras de ver puderam ser transmitidos àqueles que viveram depois deles e passaram de uma geração a outra.
Então, apareceram novas religiões e algumas espalharam-se por todo o mundo. Do mesmo modo, nasceram novos saberes, como a ciência e a filosofia. A poesia, até aí apenas oral e cantada, começou a ser escrita, tal como peças de teatro, narrativas e histórias. Aparecera finalmente o que hoje chamamos de literatura.
As religiões das tribos e dos grupos de homens sem escrita tinham pontos em comum. Para essas religiões muito antigas, o mundo era animado por forças misteriosas. O mundo de baixo, aquele em que se vivia, era penetrado pela acção de um outro mundo, o dos deuses, dos génios e dos demónios. Esse outro mundo era também o mundo dos antepassados, o dos "totens" e do clã. A morte e a vida misturavam-se e penetravam-se uma à outra. As potências divinas estavam presentes na natureza, nas nascentes, nas montanhas e nas árvores através das suas raízes que penetravam na terra...
[Feiticeiros, adivinhos e videntes...] O grupo reconhecia que certos homens tinham o poder de comunicar com essas forças divinas. Tratava-se dos adivinhos, dos videntes e dos feiticeiros. Entre os celtas, os druidas eram adivinhos e videntes. Entre os mongóis, ou em certas tribos de índios da América, o xamã era não só um adivinho mas também um curandeiro, um médico. Os gregos antigos tinham os seus magos que eram igualmente poetas e adivinhos. Os videntes falavam dos tempos antigos, das origens do grupo, e transmitiam os seus segredos àqueles que achavam dignos de os substituir.
Em muitas religiões antigas, havia o hábito de se fazer "sacrifícios" aos deuses. Durante certas festividades, matavam-se e queimavam-se animais. O fogo, o fumo e os odores estabeleciam uma relação mágica entre o mundo dos deuses, o dos vivos e dos mortos. [...]
[Os textos de Homero popularizaram os antigos deuses gregos] A escrita desempenhou um papel importante no que respeita às crenças dos povos e modificou religiões antigas, como a religião dos gregos.
Os primeiros helenos que chegaram à Grécia veneravam os deuses particulares das suas tribos. Os poetas, os aedos, acompanhados por um instrumento de música, a lira, cantavam e recitavam poemas e hinos sobre os deuses. Quando a escrita alfabética foi introduzida na Grécia, esses poemas foram recolhidos e escritos, formando um conjunto de "cantos": A Ilíada e A Odisseia. Os gregos chamaram então Homero ao homem que os tinha escrito sem nunca saberem bem quem era realmente esse poeta. Talvez que vários aedos tivessem composto esses poemas.
Esses poemas relatam a guerra dos aqueus (os helenos da Grécia) contra Tróia, cidade grega da Ásia Menor, e o regresso cheio de aventuras de um grego, Ulisses, à sua ilha de Ítaca. Os doze deuses dos gregos apareciam aí como seres com figuras e temperamentos humanos. [...]
Outros poetas descreveram o modo como a terra, o céu e o mar foram criados.
A Ilíada e A Odisseia foram os manuais básicos de todos os alunos gregos que então andavam na escola. Depois da conquista romana, os jovens romanos das grandes famílias tinham uma educação "grega". [...]
[Na Índia, os textos sagrados modificaram a antiga religião dos arianos] Tal como os invasores helenos na Grécia, os invasores arianos tinham trazido com eles os seus cultos e os seus deuses. Divinizavam a floresta, as árvores, o sol, o fogo...
A partir dessas crenças, foram redigidos textos na antiga língua dos arianos, o sânscrito. Estes foram coligidos sob o título de Vedas. Com base nesses livros sagrados, uma mesma religião, que os europeus chamaram de hinduísmo, espalhou-se lentamente ao longo dos séculos por toda a Índia. [...]
Os hinduístas têm toda uma série de deuses que variam segundo as regiões, mas têm como base uma mesma crença. O mundo no seu conjunto é, para eles, animado por uma força invisível, o brahman, e cada ser humano faz parte dessa força. Depois da morte, a alma viaja indefinidamente para outros seres vivos, homens ou animais, até se dissolver no brahman.
[Um só Deus, três religiões] Para o judaísmo, para o cristianismo e para o islamismo, a palavra de Deus é transmitida através de um livro santo. Sem a Bíblia não teria havido religião judaica nem cristã nem muçulmana. E o islamismo, a religião dos muçulmanos, é inseparável de um outro livro, o Corão, que reconhece as grandes personagens da Bíblia, Abraão, Moisés e Jesus.
Quer para uns quer para outros, Deus falou a homens privilegiados e as suas palavras foram em seguida transmitidas através de um Livro. Essas três religiões são, deste modo, inseparáveis da escrita que nos conta o modo como Deus, um deus único, invisível e eterno, se fez conhecer ou se "revelou" aos homens.
A ideia de que Deus é invisível, mas que está presente na história do homem através dos seus "eleitos", ou seja, que transmite a sua "palavra" a pessoas escolhidas por elem estabelece uma diferença em relação a outras religiões.
Para os judeus, tal como para os cristãos e para os muçulmanos, o primeiro homem escolhido por Deus para essa Revelação foi Abraão. Esse homem pertencia a um clã nómada, o dos hebreus, que circulava pela Mesopotâmia cerca de 1750 a.C. Mas o desenvolvimento dessa Revelação não é o mesmo para as três religiões.
Os judeus são os descendentes de Abraão, do seu filho Isaac e do seu neto Jacob, cognonimado Israel. Formam assim o povo de Israel testemunhando a aliança de Deus com os homens.
A história desse povo é contada nos cinco primeiros livros da Bíblia, para os judeus a Torah [...].
Na Bíblia, os Profetas de Israel anunciavam a vinda de um Salvador, o Messias.
Na Palestina, no tempo do Império Romano, um judeu, Jesus, pôs-se a pregar e a ensinar. Declarava-se enviado de Deus para curar os doentes e salvar os pecadores, ou seja, os que tinham agido mal. Era seguido por uma multidão de mulheres e homens judeus. Mas os sacerdotes do templo de Jerusalém e os seus escribas pensavam que se tratava de um agitador perigoso. Prenderam-no e entregaram-no ao governador romano para que ele fosse condenado à morte. Foi pregado numa cruz entre dois ladrões. Depois da morte de Jesus, alguns dos seus discípulos afirmaram que ele tinha ressuscitado de entre os mortos e que era o Messias, em grego, o "Cristo", anunciado pelos Profetas. Eram os primeiros cristãos.
Os Apóstolos, todos judeus e discípulos de Jesus anunciaram a Boa Nova, o Evangelho da Salvação dos homens. Os novos crentes agrupavam-se para formarem uma comunidade, uma Igreja [...].
[...] Os Apóstolos redigiram em grego alguns testemunhos sobre a vida de Jesus, os Evangelhos. e Cartas ou Epístolas. A Igreja cristã chamou a esses textos de "Novo Testamento" [...].
Durante algum tempo, os imperadores romanos não fizeram diferença entre cristãos e judeus e começaram a persegui-los.
Depois da destruição do templo de Jerusalém pelo imperador Tito, em 70 d.C., os judeus revoltaram-se. Pouco a pouco, o destino dos judeus e dos cristãos separou-se. Os judeus dispersaram-se fora da Palestina. [...]
O cristianismo espalhou-se, primeiramente entre os pobres e os escravos. Pouco a pouco trouxe a si as grandes famílias do Império Romano. A liberdade de ser cristão acabou por ser reconhecida em 313 pelo imperador Constantino. Em seguida, o cristianismo foi proclamado religião oficial do império.
Os não-cristãos tornaram-se suspeitos e certos bispos começaram a acusar os judeus de terem condenado Jesus à morte.
Para os muçulmanos, o Corão é o último dos livros revelados e o único perfeito.
O Islão, que em árabe quer dizer "submissão a Deus por amor a Ele", é a religião ensinada por Moamede (Maomé). Este apresentou-se como o último dos profetas depois de Abraão, Moisés, os profetas judeus e Jesus. Com ele, dizia-se, a Revelação, que tinha começado com Abraão, estava terminada.
Moamede tinha nascido em 570 d.C. num grande centro de caravanas da Arábia, em Meca. Os nómadas beduínos misturavam-se com os cidadãos. Encontravam-se aí também judeus e cristãos. Moamede ouviu o Anjo Gabriel que lhe comunicava mensagens de Deus. Mas, perseguido pelas pessoas da sua cidade, foi com alguns dos seus companheiros para Medina.
Era em 622, e essa data, Hijra, a Hégira, a "migração", marca o começo da era muçulmana.
Em Medina os clãs e as tribos estavam em luta. Moamede impôs a sua autoridade. Até à sua morte em 632, continuou a transmitir as mensagens de Alá, o Deus único, e ditou algumas regras para restabelecer a ordem em Medina e em toda a Arábia conquistada sob a sua direcção e convertida ao islamismo.
[...] da Espanha até à Índia, os califas conquistaram um imenso império em menos de um século [...].
[...] os muçulmanos ficaram presos à ideia de uma unidade que repousava sobre os cinco "pilares" do Islão: a crença em Deus e no seu profeta, a oração quotidiana, o jejum anual do ramadão, a esmola aos pobres, e se possível, ao menos uma vez na vida, a peregrinação a Meca.
[Como foram escritos a Bíblia e o Corão] Na Bíblia encontramos os traços da poesia das antigas tribos nómadas de antes e depois de Abraão. O Dilúvio já tinha sido contado nas lendas da Mesopotâmia, o país de onde vinham os hebreus. Os textos da Torah foram redigidos de um modo muito complicado quando as tribos de Israel se fixaram em Canaã (a Palestina). Houve vários redactores, e o trabalho durou vários séculos. Moisés não foi quem escreveu os "Dez Mandamentos".
Jesus, cuja língua era o aramaico [...] lia em hebraico. Mas também nunca escreveu nada, salvo com o seu dedo na areia, uma única vez. O Novo Testamento foi redigido pelos Apóstolos depois da morte de Jesus.
Maomé contava as revelações do Anjo Gabriel acerca de Deus, Alá, aos seus discípulos. Estes anotavam esta informação em folhas de palma, em pedaços de cerâmica ou de osso. O Corão, redigido em árabe e dividido em capítulos ou "suratas", é o conjunto dessas "recitações". O Livro foi redigido após a morte do Profeta.
Deste modo, nunca saberemos, verdadeiramente, o que disseram Moisés, Jesus ou Maomé pois não possuímos nenhum texto escrito directamente por eles. Mas os Livros que comunicam as suas mensagens transformaram a história dos homens afirmando que Deus falava através deles. Milhões de homens e mulheres acreditaram e ainda hoje acreditam.
[Uma ideia nova: compreender o mundo sem os deuses] O céu, o sol, as estrelas, a mudança dos dias e das noites há muito eram um mistério para os homens. Eles explicavam tudo isso através da religião. A primeira ciência, a Astronomia, nasceu da observação dos astros. Onde as pessoas conheciam a escrita, estas observações podiam ser anotadas e transmitidas a outras pessoas. Nas cidades-estados do Médio Oriente, tal como na América central, encontrávamos personagens junto dos reis que eram ao mesmo tempo sacerdotes e astrónomos. Talvez descendessem de antigos feiticeiros ou xamãs. Para eles a religião e o conhecimento do mundo não se podiam conceber como coisas separadas.
Na Grécia, na China, na Índia, houve homens que tentaram reflectir sobre o mundo e sobre eles mesmos sem o auxílio da religião. Foram, por isso mesmo, os inventores de conhecimentos novos, aquilo a que chamamos a ciência e a filosofia.
É evidente que esses pensadores chineses, gregos e indianos não se conheciam. Mas, e é estranho, alguns dos seus achados, em tudo inseparáveis da escrita, ocorreram em momentos muito próximos da história do homem que, no entanto, era já tão longa.
Hoje em dia, algumas pessoas são "cientistas" e outras "filósofos". Mas, em tempos, os pensadores eram ao mesmo tempo filósofos, físicos e matemáticos. Ou seja, eles reflectiam ao mesmo tempo sobre o mundo, sobre a natureza [...] e sobre a maneira como o homem se deverá comportar na vida para ser um bom conhecedor [...].
Entre 600 e 300 a.C., grandes pensadores, letrados e "sábios" viveram em todos os continentes onde a escrita era já antiga. Deste modo, os seus pensamentos puderam ser transmitidos até aos nossos dias.
* Os primeiros físicos e os primeiros filósofos gregos da Ásia Menor reflectiram sobre o movimento da vida e sobre a origem do mundo;
* O matemático greco-italiano Pitágoras afirmou que os números e a aritmética estavam na base de todas as coisas;
* Sidarta Gautama, o Buda, ensinou na Índia uma filosofia da "sabedoria" sem deuses;
* Os Olmecas no México tinham elaborado um calendário solar;
* Na China, o mestre Kong, mais tarde chamado Confúcio, trouxe-nos regras práticas sobre a vida e sobre a moral [...];
* Na Grécia, Sócrates, um "sábio", e os filósofos atenienses Platão e Aristóteles foram pensadores que influenciaram bastante os países europeus, dado que ainda falamos deles e ainda os lemos hoje em dia;
* Na China, os astrónomos puderam descobrir que o ano tinha 365 dias e um quarto, e filósofos taoístas propuseram a busca de uma verdade em si mesma. Segundo estes, é necessário procurar o equilíbrio e a calma em relação com o Tao, o movimento secreto da natureza.
CITRON, Suzanne. A história dos homens. Lisboa: Terramar, 1999. p. 103, 105-114, 117-119.
Entre 600 e 300 a.C., grandes pensadores, letrados e "sábios" viveram em todos os continentes onde a escrita era já antiga. Deste modo, os seus pensamentos puderam ser transmitidos até aos nossos dias.
* Os primeiros físicos e os primeiros filósofos gregos da Ásia Menor reflectiram sobre o movimento da vida e sobre a origem do mundo;
* O matemático greco-italiano Pitágoras afirmou que os números e a aritmética estavam na base de todas as coisas;
* Sidarta Gautama, o Buda, ensinou na Índia uma filosofia da "sabedoria" sem deuses;
* Os Olmecas no México tinham elaborado um calendário solar;
* Na China, o mestre Kong, mais tarde chamado Confúcio, trouxe-nos regras práticas sobre a vida e sobre a moral [...];
* Na Grécia, Sócrates, um "sábio", e os filósofos atenienses Platão e Aristóteles foram pensadores que influenciaram bastante os países europeus, dado que ainda falamos deles e ainda os lemos hoje em dia;
* Na China, os astrónomos puderam descobrir que o ano tinha 365 dias e um quarto, e filósofos taoístas propuseram a busca de uma verdade em si mesma. Segundo estes, é necessário procurar o equilíbrio e a calma em relação com o Tao, o movimento secreto da natureza.
CITRON, Suzanne. A história dos homens. Lisboa: Terramar, 1999. p. 103, 105-114, 117-119.
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