O homem primitivo não conhecia o significado do tempo. Não mantinha registros de aniversários de nascimento ou casamento, nem da hora em que as pessoas nasciam. Não tinha ideia do que era um dia, uma semana ou mesmo um ano. Mas, de modo geral, acompanhava a sucessão das estações, pois notara que ao frio do inverno inevitavelmente seguia-se a suavidade da primavera; que a primavera transformava-se no verão calorento, quando os frutos amadureciam e as espigas dos cereais selvagens estavam prontas para ser comidas; e que o verão terminava quando súbitas rajadas de vento arrancavam as folhas das árvores e diversos animais se preparavam para o longo sono da hibernação.
Agora, porém, algo estranho estava acontecendo com o clima. Os dias quentes do verão demoravam a chegar. Os frutos não amadureciam. Os cumes das montanhas, antigamente cobertos de relva, achavam-se agora ocultos debaixo de uma grossa camada de neve.
Então, certa manhã, um grupo de selvagens, diferentes das demais criaturas que viviam por ali, desceu do alto das montanhas. Estavam descarnados e pareciam quase mortos de inanição. Produziam sons que ninguém conseguia compreender; pareciam querer dizer que estavam com fome. Não havia alimento suficiente para os antigos habitantes da região e para os recém-chegados. Quando estes se decidiram a permanecer lá por mais de uns poucos dias, ocorreu uma briga terrível, na qual as mãos e os pés serviam como garras, e famílias inteiras foram mortas. Os sobreviventes fugiram de volta para as montanhas e morreram na seguinte nevasca.
Porém, o povo da floresta ficou muito assustado. A cada passo, os dias ficavam mais curtos e as noites, mais frias do que deveriam ser.
Por fim, numa garganta localizada entre dois grandes picos, apareceu uma fina lâmina de gelo esverdeado. Rapidamente, ela aumentou de tamanho. Uma geleira gigantesca desceu pela montanha, arrastando enormes pedregulhos para o vale. Com o ruído de dez tempestades, torrentes de gelo e lama e blocos de granito abateram-se sobre os povos da floresta, matando a maior parte deles enquanto dormiam. Árvores centenárias reduziram-se a montanhas de gravetos. Foi então que começou a nevar.
A nevasca durou meses e mais meses. Todos os vegetais morreram, e os animais partiram para o sul em busca do sol. Atrás deles foram os homens, com seus filhos nas costas. Porém, os homens não conseguiram viajar tão rápido quanto as criaturas mais selvagens e foram forçados a escolher entre pensar rápido e morrer rápido. Parece que preferiram a primeira alternativa, pois conseguiram sobreviver às terríveis eras glaciais que em quatro ocasiões ameaçaram exterminar os seres humanos da face da terra.
Antes de mais nada, era necessário que o homem se vestisse para não congelar. Aprendeu a cavar buracos e a cobri-los com ramos e folhas; nessas armadilhas, capturava ursos e hienas, que então matava por apedrejamento e com cujas peles fazia casacos para si e sua família.
Depois vinha o problema do abrigo, que foi fácil de resolver. Muitos animais tinham o hábito de dormir em cavernas sombrias. O homem seguiu o exemplo deles; expulsou os animais de suas tocas quentes e tomou-as para si.
Mesmo assim, o clima era demasiado severo para a maioria das pessoas, e jovens e velhos morriam a passo acelerado. Então, um gênio concebeu o uso do fogo. Certa vez, em meio a uma caçada, ele ficara preso no meio de um incêndio florestal. Lembrou-se que as chamas quase o tinham assado vivo. Até então, o fogo fora um inimigo; agora se tornava amigo. Uma árvore morta foi arrastada para dentro da caverna e incendiada com um tição trazido da floresta. Com isso, a caverna se tornou um salão aconchegante.
Então, certa noite, uma galinha morta caiu no fogo e só foi recuperada depois de bem assada. O homem descobriu que a carne ficava mais palatável depois de cozida; na mesma hora descartou um dos seus hábitos mais antigos, que partilhava ainda com os outros animais, e começou a preparar o alimento antes de comer.
Assim passaram-se milhares de anos. Só as pessoas mais inteligentes sobreviveram. Elas tinham de travar uma batalha permanente contra a fome e o frio. Foram forçadas a inventar ferramentas; aprenderam a afiar pedras para fazer machados e a construir martelos. Obrigadas a acumular grandes estoques de alimento para os infindáveis dias de inverno, descobriram que a argila podia ser usada para fazer jarros e vasilhas, que eram endurecidos sob os raios do sol. E assim a era glacial, que ameaçara destruir a raça humana, tornou-se a sua maior mestra, pois forçou o homem a usar seu cérebro.
VAN LOON, Hendrik Willem. A história da humanidade. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 13-16.
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