Maria amamentando o menino Jesus. Pintura do século II d.C. na Catacumba de Santa Priscila, Roma.
Se a mensagem de Cristo devia permanecer viva, isso só pôde acontecer com a ajuda dos judeus. Eles eram um povo espalhado, vivendo principalmente longe de sua terra natal e, portanto, oferecendo uma rede através da qual a mensagem cristã podia se espalhar.
Ao final desse período agora conhecido como a.C. ou "antes de Cristo", a maioria dos judeus nunca tinha posto os olhos na terra de seus antepassados. Muitas famílias judias, tendo ido para o exílio como cativos, tornaram-se parte de sua nova terra. Outros judeus partiram como comerciantes ou soldados para portos distantes e lá viveram, geração após geração. Um censo conduzido pelos romanos em 48 d.C. indicou que sete milhões de judeus viviam no vasto Império Romano. Talvez até 9% da população do império fosse judia, uma proporção de judeus maior que a que habitava a Europa na véspera da Segunda Guerra Mundial. Outros cinco milhões de judeus viviam em partes da Ásia Menor e da África, que ficavam além do império. À medida que as condições políticas deterioravam na Palestina, e à medida que cada vez mais judeus decidiram partir, a cidade da Babilônia tornou-se o lar de vivazes teólogos judeus.
As sinagogas dos judeus podiam ser encontradas desde a Sicília até o Mar Negro, sul da Arábia e Etiópia. As sinagogas em Roma sozinhas serviam a cerca de 50.000 judeus. Em muitos povoamentos judeus afastados, a sinagoga permanecia sendo o centro da vida social, contando com biblioteca e, talvez, até um hospício. Essas sinagogas distantes eram um testemunho da generosidade das congregações, onde muitos dos membros doavam um décimo de sua renda anual.
A religião dos judeus, embora inicialmente só para os judeus, há muito tempo já havia aumentado sua atração. Muitos pagãos e outros que não eram judeus frequentavam a sinagoga e aceitavam seu código de ética e sua visão de mundo, embora não necessariamente se submetessem à pequena cirurgia e importante ritual da circuncisão. Em muitas sinagogas nas partes orientais do Império Romano durante o primeiro século a.C., a língua hebraica foi substituída; a congregação orava e ouvia as escrituras lidas em voz alta em grego.
Arquétipo cristão do bom pastor. Pintura do século III d.C. na catacumba de São Calisto
O conjunto de sinagogas ao longo do Mediterrâneo e no interior da Ásia Menor tornou-se um foro inicial para a disseminação dos ensinamentos de Cristo. São Paulo foi o primeiro convertido de maior expressão. Ele não havia falado com Cristo, nem ouvido suas pregações, e, de início, opunha-se ao seguimento de seu culto, vendo-o como um perigo à tradicional religião dos judeus. A atitude de Paulo foi transformada, entretanto, por uma experiência mística na estrada de Damasco, e ele tornou-se um fervoroso missionário cristão. Mais ou menos 14 anos depois da morte de Cristo, ele começou a remodelar a igreja que nascia. Ele possuía qualidades pouco comuns; sentia-se em casa dentro de uma sinagoga: seus pais eram judeus e ele mesmo havia anteriormente treinado para ser um rabino. Tinha cidadania romana, o que lhe dava um passaporte aos círculos oficiais, e falava grego, a língua dos cultos.
Embora os primeiros a se converterem ao cristianismo fossem principalmente judeus, outros também foram igualmente atraídos. Em pouco tempo, muitas pessoas que não tinham nenhuma ligação com as sinagogas escutaram a mensagem cristã e começaram a se reunir em casas particulares ou salões públicos. A questão de quem podia se tornar cristão era cada vez mais debatida dentro das novas congregações. Muitos judeus cristãos faziam objeção aos que vinham de fora, pois viam o cristianismo como simplesmente uma ramificação de sua própria religião. Foi na cidade de Antioquia, no sul da atual Turquia, que esse dilema foi debatido pela primeira vez com vigor.
Em Antioquia, uma ou duas décadas depois da morte de Cristo, a questão de quem deveria ser permitido tornar-se membro integral da igreja cristã foi resolvido a favor dos internacionalistas, ao invés dos judeus. Todos que se aproximassem em estado de arrependimento podiam tornar-se cristãos. Isso inevitavelmente levou a uma divisão cada vez maior entre as sinagogas e as novas igrejas cristãs; cada uma competia pelos mesmos devotos, fossem eles judeus ou pagãos. Enquanto muitas das congregações cristãs consistissem exclusivamente de judeus, cada vez mais as novas congregações atraíam pessoas de todas as raças e formações. São Paulo enfatizou esse segmento totalmente acolhedor quando escreveu sua carta de grande influência aos gálatas: "Não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem nem mulher, pois vós sois todos um só em Cristo Jesus".
No primeiro século após a crucificação de Cristo, seus seguidores viviam principalmente nas cidades, em vez de nos vilarejos e no interior. As mulheres provavelmente eram a maioria dos cristãos. Aqueles que se apegavam à igreja nesses anos difíceis tinham de ser corajosos. Os imperadores, em Roma, ocasionalmente se voltavam contra os cristãos. O imperador Nero Cláudio os culpou pelo famoso incêndio de Roma, em 64 d.C. Em um tipo de competição do dia, muitos cristãos levaram chifradas de animais selvagens até morrerem na presença de uma multidão de espectadores.
Em suas contendas interiores sobre a questão de até que ponto seguir as regras da sinagoga, os primeiros cristãos não tinham certeza se deviam descartar as rígidas regras dos judeus em relação à alimentação. Muitos dos primeiros a se converterem ao cristianismo, sem dúvida, seguiram as proibições dos judeus de não comer carne de porco, mariscos e outras comidas. Paulo, embora fosse judeu, era mais relaxado quanto à comida; em resposta ao argumento de que algumas comidas eram naturalmente impuras, ele decretou que "nada é impuro em si". Paulo era visto por inúmeros judeus como um traidor de sua fé; por isso, foi atormentado e perseguido por eles.
Por fim, a maioria dos primeiros cristãos, sabendo que a última ceia de Cristo na presença de seus discípulos tinha sido um momento de grande importância, adotou uma atitude positiva em relação à comida. Como o vinho tinha sido parte da última ceia, foi coroado junto com o pão na cerimônia especial conhecida como o sacramento da Eucaristia. Fazer uma refeição juntos tornou-se o costume simbólico nas primeiras cerimônias religiosas.
Aqueles que tinham conhecido Cristo tornaram-se os primeiros líderes da igreja e, obviamente, eram judeus. Pedro, antes um pescador, era o discípulo mais velho após a morte de Cristo e, segundo dizem, foi quem liderou inicialmente a igreja em Roma. Com o passar do tempo, os nativos italianos chegaram em primeiro plano. Linus, provavelmente um nativo da Toscana, tornou-se o bispo de Roma, ou o papa, não muito tempo depois da perseguição de Nero aos cristãos.
Em Roma e nas cidades nas afastadas e de difícil acesso do Império Romano, multidões - com a presença de alguns judeus, às vezes - atacavam com violência os cristãos. A lista de mártires cada vez crescia mais. Como era raro os cristãos serem a maioria da população em qualquer cidade ou vila maior do império, eles dependiam da tolerância que lhes era consentida pelos outros. Teriam sido mais tolerados se tivessem sido mais afirmativos. Às vezes, não prestavam homenagem suficiente àqueles imperadores romanos que, cada vez mais, viam-se como semelhantes a deuses.
O cristianismo tornou-se como um sapato nas mãos de cem sapateiros, assumindo muitas formas diferentes até o ano 300 d.C. De província em província, a igreja em expansão diferia em suas crenças e rituais. Um mercador e sua esposa que se transferissem de uma congregação na Ásia Menor para uma na Itália provavelmente teriam um choque quando vissem pela primeira vez seu novo pastor executar os rituais ou explicar sua teologia.
BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. São Paulo: Fundamento Educacional, 2004. p. 79-81.
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