O imenso sucesso de Nostradamus continua a surpreender e, muitas vezes, chega a incomodar. O hermetismo da linguagem utilizada em suas Centúrias astrológicas (publicadas originalmente com o título de Profecias, em 1555) confere ao texto tamanha plasticidade que ele parece poder se adaptar a todas as épocas e a todos os temores. No entanto, quem as interpreta à luz do presente deve sempre lembrar que as Profecias foram escritas em um contexto histórico bem particular: o das guerras religiosas na França do século XVI. [...]
As Profecias foram publicadas entre 1555 e 1557, quando a tensão política e religiosa na França se aproximava do auge. No dia 4 de setembro de 1557, uma assembléia calvinista foi fechada em Paris, resultando na prisão de 128 pessoas, das quais sete foram condenadas à fogueira. No Sacro Império Romano-Germânico o cisma religioso já havia provocado guerras cujos detalhes Nostradamus conhecia bem graças à correspondência que mantinha com "clientes" em toda a Europa. Não surpreende, portanto, que suas Profecias sejam marcadas por um clima de violência e de morte. Entre inúmeros exemplos, há o da quadra 46 da centúria II:
Após grande miséria para a
humanidade, outra maior
se aproxima
Quando se renova o grande
ciclo dos séculos
Choverá sangue, fome e guerra
Nos céus será visto um fogo
arrastando uma trilha de faíscas
Nos versos de Nostradamus, a barbárie se apresenta frequentemente com os traços do cisma religioso que desencadeia o Apocalipse. A Igreja católica e o papa aparecem como vítimas recorrentes. A quadra 15 da centúria II prevê a ruína dos eclesiásticos e de seus adversários, os protestantes:
Marte nos ameaça com a força
da guerra
E causará setenta vezes
derramamento de sangue
O clero será exaltado e aviltado
Por aqueles que não querem
dele aprender nada
As Profecias de Nostradamus são um testemunho de seu tempo. Existe uma relação profunda entre a atmosfera de caos que o autor descreve em suas quadras e o estilo que escolheu para representá-la. A linguagem de Nostradamus é cheia de invenções, de formas inusitadas e desconcertantes que introduzem a confusão na sintaxe e no léxico. A desordem das palavras é o reflexo da desordem das coisas.
O sucesso imediato de Nostradamus se deve provavelmente mais a seu gênio literário do que a suas capacidades visionárias. Sua obra registra a violência de uma época dilacerada pelo cisma religioso e atormentada pela perspectiva do Juízo Final.
Durante o Renascimento, as especulações sobre o futuro não eram obra de alguns poucos charlatães. A astrologia era uma prática comum, baseada na certeza de que qualquer coisa era um sinal. O futuro era visto como a realização de uma realidade já prevista.
As sensibilidades religiosas do século XVI concordavam plenamente com essa visão de futuro. As catástrofes naturais e as anomalias climáticas ou biológicas eram interpretadas à luz da Bíblia e de mapas astrais. As controvérsias entre astrólogos e teólogos não se referiam à legitimidade da ciência astrológica, universalmente reconhecida. O que os clérigos questionavam era o grau de contingência das previsões e o espaço que reservavam ao livre-arbítrio dos homens.
Os protestantes adotavam a mesma postura ambígua em relação à astrologia. Enquanto Lutero admitia a importância e a legitimidade da advinhação, Calvino condenava aqueles que previam o destino dos homens com arrogância.
O conflito religioso irrompeu, portanto, em um contexto de inquietação, em que os mínimos sinais da cólera divina eram interpretados como prenúncios do Juízo Final. De acordo com o historiador Denis Crouzet, esse clima teria contribuído muito para a brutalidade dos embates entre católicos e protestantes, já que a percepção do adversário religioso como um possível anticristo transformava a violência no último recurso purificador e salvador.
Nostradamus
Nenhum outro autor expressou melhor que Nostradamus essa relação entre a violência e a angústia do fim dos tempos. Aliás, seus contemporâneos perceberam as vantagens políticas e religiosas disso e sua obra foi usada tanto por católicos quanto por protestantes.
[...]
[...] Os textos de Nostradamus não só expressam o clima de terror e de violência que reinava no período, como oferecem um sentido à história. A infelicidade dos homens deixa então de parecer arbitrária para se tornar a expressão de um destino.
[...]
Hervé Drévillon. As centúrias, uma crônica do século XVI. In: Revista História Viva. Ano IX, n. 99. p. 42-45.
Nenhum comentário:
Postar um comentário