"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O velho Tupinambá

Tupinambá. Ilustração de Hans Staden

O texto abaixo descreve um diálogo entre um velho tupinambá e o viajante francês Jean de Léry sobre riqueza, felicidade, herança para os filhos e outros temas muito atuais:

Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan. Uma vez um velho perguntou-me: por que vindes vós outros, maírs e perós (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.

Retrucou o velho imediatamente: - e porventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. - Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, - acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: - Mas esse homem tão rico de que me falais não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.

Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: - e quando morrem para quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade - continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo - agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalham tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados [...]

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Biblioteca Histórica Brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1960. p. 153-154. (1ª edição em francês: 1578).

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