"Retrato da Princesa de Broglie", Ingres
Sutiã: adereço íntimo de uso diário entre a maior parte das mulheres para acompanhar os cânones eróticos de cada época. Se, hoje, ele serve a dar maior liberdade e elegância aos gestos femininos, consistindo também em um fetiche sexual, sua função, no passado, era bem menos glamurosa. Poucos sabem que até o século XIX usava-se sutiã para corrigir o corpo. Na forma de espartilho - conta-nos o historiador Philippe Perrot -, era utilizado seguindo uma tradição medieval que consistia em "enrolar" em criança recém-nascida panos apertados a fim de dar-lhe mais segurança, ao mesmo tempo que modelava o pequeno corpinho. Endereçado às mulheres, ele funcionava como uma fôrma ou um estojo protetor e, sobretudo, corretor de um corpo feminino passivo e amolengado, considerado pelos médicos possuidor de postura "frágil" e ossos "tenros". Com a Revolução Francesa, o espartilho foi proscrito como símbolo aristocrático, tão condenável quanto a peruca e a espada.
No início do século XIX, sob o governo de Napoleão, o espartilho faz sua reaparição para dar respaldo à moda "Império". Essa moda exigia a redução do tamanho do espartilho que, por sua vez, deveria valorizar e separar os seios. Não era mais o caso de criar fôrmas preventivas contra a deterioração do corpo, mas de incentivar subterfúgios, dissimulações e mecanismos de valorização do corpo da mulher. Eis porque aparece, em 1810, o chamado "espartilho à la Ninon". Encarregado de comprimir o estômago, apertar a barriga e realçar o colo, ele era acompanhado por saias cada vez mais amplas, armadas sobre anáguas de duríssima crinolina. A nova couraça, sobrecarregada ainda por ombreiras, respondia a uma representação do corpo feminino supostamente flácido e à noção da anatomia feminina débil.
Conservando intacto o princípio aristocrático de que o corpo não deve demonstrar qualquer sinal ou marca de trabalho físico, o cânone burguês de beleza feminina perenizava as cinturas de vespa, as extremidades pequenas e finas, as peles de pêssego. A auto-imolação no interior do espartilho foi um pouco amenizada pelo aperfeiçoamento na elasticidade dos tecidos e a substituição da pesada armadura de panos e couro por fios de aço.
Por volta de 1840, uma invenção marcava uma etapa importante na história técnica e social do sutiã: aprimoraram-se os cadarços, permitindo à mulher desnudar-se ou vestir-se sem ajuda de uma doméstica, do marido ou do amante. Salvo se quisesse apertá-lo muito, a mulher não tinha necessidade de ajuda exterior para entrar no seu sutiã. Tal fato democratizou o acessório e até incentivou sua difusão. No período da belle-époque, o sutiã consistia num espartilho dotado de duas taças em forma de pêra, cuja forma rígida estreitava-se violentamente na cintura, cada vez mais apertada, tinha de contrastar de forma chocante com a amplitude das saias. Sempre comprimindo o corpo feminino, o sutiã passa a ser alvo de uma série de discussões de moralistas e higienistas. Médicos como o então famoso doutor Debay não hesitavam em acenar com sinistras estatísticas para combater seu uso:
Espero que o quadro a seguir abra os olhos de mães cegas que, na esperança de que suas filhas tenham um talhe elegante, aprisionam-nas, desde pequeninas, num espartilho inflexível. Tal quadro é resultado de 40 anos de observações. A cada 100 moças que usam sutiã: 25 sucumbem a males do peito; 15 morrem logo depois do primeiro parto; 15 permanecem doentes depois do parto; 15 tornam-se deformadas; 30 resistem, mas são afligidas, mais tarde, por indisposições mais ou menos graves.
Outro médico, doutor Verardi, acusava a forma de amarrar o sutiã nas costas como o maior perigo, afirmando que "quatro quintos das mulheres físicas teriam se assassinado pela utilização extrema dos espartilhos". O talhe fino, como vocês podem ver, matava! Deplorar seu uso, contudo, não prescrevia o hábito. Meninas continuavam a usá-lo na forma de tratamento ortopédico, mesmo sob as acusações de alguns médicos que o consideram "instrumento deformador e debilitante". Um dos objetos desta modelagem anatômica era obter um talhe fino, valor erótico, social e simbólico muito conceituado no mercado matrimonial. Mas, com o passar do tempo, os fios de arame vão sendo substituídos por crina de cavalo e o sutiã ganha admiradores entre os moralistas, que passam a identificar uma mulher reta com uma postura de vida escorreita.
A mudança chega com a Primeira Guerra Mundial, e por razões bem mais práticas do que médicas. Um grande número de mulheres entrou para o mercado de trabalho. A socialização dos corpos em torno das máquinas exigia o uso de sutiãs para tornar os movimentos mais firmes. Não se tratava mais de um sutiã destinado a aguçar os sentidos e o desejo masculino, mas algo que protegesse, e desse confiança à mulher na sua atividade diária. O primeiro sutiã - já se disse - a gente nunca esquece. Mas é bom não esquecer, também, que até ele tem uma história.
PRIORE, Mary Del. Histórias do cotidiano. São Paulo: Contexto, 2001. p. 11-13.
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