Cena do filme "A Guerra do Fogo", de Jean-Jacques Annaud (1981)
O maior avanço técnico e cultural do Homo erectus foi o de
ele ter aprendido a lidar com o fogo. A primeira evidência do seu uso veio da
China (cerca de 600 000 a .C.),
mas não mostra que o fogo podia ser produzido. Provavelmente o Homo erectus
nunca foi tão longe. Ainda ssim, o fato de esta espécie poder usá-lo foi um
enorme ganho, a mais importante mudança isolada na tecnologia antes do advento
da agricultura. Foi a primeira extração química de energia, além da
transformação da comida dentro do corpo.
Cena do filme "A Guerra do Fogo"
Muitas povos têm lendas de personagens heróicos ou de
animais mágicos que pela primeira vez capturaram o fogo, muitas vezes dos
deuses. Talvez isso reflita uma vaga memória de que o primeiro fogo foi
extraído de uma fonte natural, seja da atividade vulcânica, da erupção de gás
natural ou de uma floresta em
chamas. Não importa como ele foi obtido, mas o seu uso foi
revolucionário - embora devamos nos lembrar de qye levou centenas de milhares
de anos para desenvolver todo o seu impacto. Imediatamente significou calor e
luz, a conquista do frio e da escuridão, e portanto a sua extensão para dentro
do meio ambiente habitável, mesmo que a princípio fosse muito pouco. As famílias
podiam sobreviver mais do que antes em regiões mais frias e podiam habitar
zonas temperadas com um pouco mais de facilidade. Ao ocuparem cavernas, cujo
uso a escuridão antes tornara impossível, estavam mais protegidos do clima. Os
animais agora podiam ser expulsos das suas tocas e mantidos a distância (talvez
esta ideia de usar o fogo tenha dado origem ao grande jogo da caça). Lanças de
madeira puderam ser modeladas no fogo. Foi possível cozinhar. Como resultado,
ficou mais fácil comer: podia-se extrair a medula dos ossos cozidos, mas
tirá-la crua era uma tarefa laboriosa. Mais importante ainda, foi possível
transformar em fontes de alimento substâncias indigestas em estado natural e
plantas de sabor desagradável ou amargo em comestíveis. Isto
deve ter aumentado a reserva alimentar (e, portanto, facilitado um pouco o
crescimento da população). Também pode ter despertado a atenção para a
variedade e a disponibilidade da vida vegetal, e assim dado início à ciência da
botânica e à arte culinária. Finalmente, com o decorrer do tempo, comer
alimentos cozidos ajudou a alterar a molde do rosto e o formato dos dentes.
Cena do filme "A Guerra do Fogo"
Cozinhar também teria encorajado outras restrições e
impulsos imediatos: adiava-se o ato de comer e não se sucumbia ao apetite
imediato engolindo comida crua. O fogo de cozinhar como fonte de luz e calor
teria reunido as pessoas à sua volta, depois do anoitecer, e ajudou a formar um
grupo mais consciente da sua própria comunidade. De algum modo, os indivíduos
conversavam: o desenvolvimento da linguagem - de cujas origens sabemos muito
pouco - deve ter sido acelerado nesse cenário. Finalmente, aos poucos o fogo
provocou novas distinções entre os membros de um grupo. A certa altura surgiram
portadores de fogo e especialistas em fogo, seres de importância impressionante
e misteriosa, pois deles dependia a vida e a morte do resto do grupo. Eles
portavam e guardavam a grande ferramenta libertadora e controlavam-lhe o poder,
quebrando a férrea rigidez e a disciplina da noite e do dia, e até mesmo das
estações.
Cena do filme "A Guerra do Fogo"
Então, já na época do Homo erectus o fogo tinha uma pequena
compensação para as pressões dos grandes ritmos externos do mundo natural sobre
a vida hominídea. A vida já era menos dominada pela rotina e menos automática
do que fora para o Australopithecus; agora estava bem distante da vida dos
animais meramente programados pelo instinto e pelos dotes genéticos. O Homo
erectus podia fazer escolhas. Esta é a melhor forma de dizer que com esta
espécie já estamos no lado humano de qualquer definição da diferença entre
símios e homens, por mais restrita e miserável que esta vida possa parecer.
Cena do filme "A Guerra do Fogo"
ROBERTS, J. M. O livro de ouro da História do Mundo. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2000. p. 32-34.
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