Cortés: um intelectual na conquista da América
"E eu vejo que o Reino em breve será destruído
Terá fim do México a soberania!
Eis que me afasto e choro
por ter decretado a este país
ser subjugado e totalmente aniquilado".
(Antigo canto fúnebre mexicano)
O continente americano não terá o nome de seu "descobridor". Tomará o seu de um gerente de banco chamado Américo Vespúcio, que entusiasmado pelo novo mundo passou a se dedicar a escrever sobre as terras encontradas por Colombo. Em 1502 o alemão Martin Waldseemuller fez o desenho do primeiro mapa designando como América o novo continente, nome que se generalizou posteriormente.
Na América confrontaram-se muito mais que duas civilizações materiais; defrontaram-se dois tipos de mentalidade. Quando Colombo se negava a compreender a língua dos indígenas (pensava que esses deviam falar a língua dos europeus e não vice-versa), estava bloqueando qualquer possibilidade de entendimento, de diálogo, de comunicação entre os dois mundos. E quando Montezuma, imperador dos astecas, negou-se a se comunicar com Cortés, que tinha desembarcado em Veracruz, no México, para conquistar seu reino, duas concepções de mundo, duas lógicas de pensamento se afastavam uma da outra.
Por que a conquista deixou os povos pré-colombianos sem história? Nessas sociedades, a memória era preciosa porque nela estavam contidas as técnicas agrícolas, fundamentais para a manutenção e a reprodução da comunidade, bem como o destino de cada um dos indivíduos e do próprio grupo, determinado através de advinhações (o famoso horóscopo) no dia do nascimento, no qual o sacerdote determinava obrigatoriamente qual seria o destino daquela criança.
Para os astecas a história de sua civilização, que enfrentava os recém-chegados, já estava escrita. O futuro estava preestabelecido: os deuses estavam voltando, fechando-se um ciclo com a destruição inevitável de um tempo e o surgimento de outro.
A destruição dos astecas era inevitável segundo sua religião, fato que teria levado o último imperador, Montezuma, a um imobilismo fatalista, deixando entrar os espanhóis na capital, tornando-se seu prisioneiro quase voluntariamente.
Para eles a interpretação da realidade estava baseada nas advinhações e profecias cíclicas, pontuais, feitas através de técnicas dominadas pelos advinhos profissionais. O horóscopo feito a toda criança que nascia não se destinava a pesquisar seu futuro, mas a determiná-lo. Toda sua vida estaria dirigida para a concentração dessa previsão.
Não existia nesse mundo uma escrita de livre acesso, porque sua leitura exigia uma complexa interpretação de símbolos efetuada somente pelos sacerdotes. Sem eles, mortos pelos espanhóis, os deuses se calaram porque não existiam homens capazes de interpretar suas mensagens, e a sociedade sofreu uma profunda transformação mental. O silêncio significava o fim de um ciclo: a morte dos deuses de Montezuma e a vitória dos deuses de Cortés.
Sem as misturas científicas e religiosas de Colombo não teríamos o descobrimento, e sem Cortés, a conquista. A personalidade desse conquistador é bem diferente da do descobridor. Fidalgo, estudou Latim e Direito na Universidade de Salamanca. Lutou nas guerras da Itália. Vai às Índias em busca de aventura, fortuna e honra. Político, com plena percepção de seus atos, era um homem que sempre procurava informações antes de atuar.
Certamente o pequeno exército espanhol, ainda que mais bem armado, obrigava Cortés a utilizar todos os recursos não militares disponíveis em cada momento de sua viagem rumo à capital dos astecas. Sua firme decisão de não retroceder ficou demonstrada com seu primeiro ato ao pisar o México, que foi queimar os navios e enforcar alguns homens suspeitos de "traição" para evitar toda possibilidade de retorno.
Contara ainda com duas ajudas inestimáveis. A primeira chamava-se Aguilar, náufrago de Colombo que, salvo pelos maias, viveu alguns anos entre eles, e a outra, Malinche, ou Mariana, uma mulher que não somente traduzia como interpretava para Cortés a língua e as atitudes dos astecas.
Mariana, como Colombo, situa-se no meio de uma acalorada polêmica entre eurocentristas e americanistas. Para os primeiros é o símbolo de uma perfeita mistura racial (será amante de Cortés?), o símbolo dos americanos que "inteligentemente" se entregam de corpo e alma à civilização, abandonando o antigo estado de barbárie. Para os americanistas, essa mulher é o símbolo dos traidores de sua raça, que coloboraram com os invasores vendendo sua alma ao diabo.
A vitória militar de Cortés foi favorecida pelo conhecimento prévio das atitudes e comportamentos militares dos astecas, que repetiam sempre o mesmo ritual, mostrando suas armas, o número de homens, seu posicionamento no campo de batalha, tentando persuadir o inimigo a se render sem lutar. Para os astecas o derramamento de sangue era a última opção de uma conquista.
Cortés enfrentara a sempre previsível movimentação das tropas astecas com uma ágil e criativa guerra de movimentos, que se adaptava facilmente ao terreno desconhecido, penetrando em terras sagradas onde os americanos não ousavam penetrar, aumentando suas suspeitas que eram deuses. A percepção clara daquilo com que estava lidando permitiu-lhe direcionar a guerra, proporcionando uma vitória material e subjetiva ao mesmo tempo. Cortés é classificado pela historiografia como o primeiro geopolítico das Américas.
PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 2011. p. 77-80.
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