Artesãos produzindo cerveja no Egito antigo. Um escriba contabiliza a produção. Modelo de madeira encontrado em tumba do Reino Médio
"Rápido, me traga uma taça de vinho para eu poder molhar minha mente e dizer algo inteligente."
Aristófanes, poeta cômico grego (c. 450-385 a.C.)
A sede é mais mortal do que a fome. Sem comida, você poderia sobreviver por algumas semanas, mas sem bebida teria sorte se durasse alguns dias. Somente o ato de respirar é mais importante. Há dezenas de milhares de anos, os primeiros homens, que circulavam em pequenos bandos, tinham de ficar perto de rios, correntes e lagos a fim de garantir um suprimento adequado de água fresca, já que não havia um modo prático de armazenar ou carregar a água. A sua disponibilidade restringiu e determinou o progresso da humanidade. Desde então, as bebidas continuaram a moldar nossa história.
Somente nos últimos dez mil anos outras bebidas surgiram para desafiar a primazia da água. Nenhuma delas está disponível na natureza em qualquer quantidade, e todas têm de ser produzidas deliberadamente. Além de oferecer alternativas mais seguras para suprimentos de água contaminada por doenças em agrupamentos humanos, elas assumiram funções variadas. Muitas têm sido usadas como moeda, em rituais religiosos, como símbolos políticos ou como fonte de inspiração filosófica e artística. Algumas têm servido para ressaltar o poder e o posicionamento da elite ou para subjugar e apaziguar os oprimidos. As bebidas têm sido usadas para celebrar nascimentos, homenagear mortos e estabelecer e fortalecer relacionamentos sociais; para fechar transações comerciais e tratados; para aguçar os sentidos ou entorpecer a mente; para conter remédios salvadores ou venenos mortais.
Assim como as marés da história mostram fluxos e refluxos, bebidas diferentes atingiram alguma proeminência em momentos, lugares e culturas diversos, desde as aldeias da Idade da Pedra, até os salões de festas na Grécia antiga ou os cafés públicos no Iluminismo. Cada uma delas tornou-se popular quando atendeu a uma necessidade específica ou se alinhou com alguma tendência histórica. Em alguns casos, a bebida veio mesmo a influenciar o curso da história de formas inesperadas. Assim como os arqueólogos estabelecem períodos históricos com base no uso de materiais diferentes - Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro e assim por diante -, também é possível dividir a história do mundo em períodos dominados por certas bebidas. Especificamente, seis bebidas - cerveja, vinho, destilados, café, chá e cola - definem o fluxo da história mundial. Três delas contêm álcool e três contêm cafeína, mas o que todas têm em comum é o fato de que cada uma delas foi a bebida definitiva durante determinado período histórico, desde a Antiguidade até os dias de hoje.
O evento que colocou a humanidade no caminho em direção à modernidade foi o início da atividade agrícola, começando com a produção doméstica de cereais, que ocorreu primeiramente no Oriente Próximo há cerca de dez mil anos e foi acompanhada pelo aparecimento de uma forma rudimentar de cerveja. As primeiras civilizações surgiram cerca de cinco mil anos depois, na Mesopotâmia e no Egito - dua culturas paralelas fundadas a partir de um excedente de cereais produzidos por uma agricultura organizada em larga escala. Isso liberou uma pequena parcela da população da necessidade de trabalhar nos campos e possibilitou o surgimento de padres, administradores, escribas e artesãos especializados. Não só a cerveja alimentava os habitantes das primeiras cidades e os autores dos primeiros documentos escritos, mas também os salários e gratificações eram pagos com pão e cerveja, já que os cereais eram a base da economia.
A próspera cultura que se desenvolveu dentro das cidades-Estados na Grécia antiga no primeiro milênio a.C. gerou avanços em filosofia, política, ciência e literatura que ainda servem de base para o pensamento ocidental moderno. O vinho foi a fonte essencial dessa civilização mediterrânea e a base de um vasto comércio marítimo que ajudou a espalhar as ideias dos gregos por toda parte. A política, a poesia e a filosofia eram discutidas em festas formais com bebidas - os simpósios (symposia) -, nas quais os participantes partilhavam uma grande taça de vinho diluído. O costume de beber vinho prosseguiu com os romanos, cuja sociedade hierarquizada tinha uma estrutura que se refletia numa ordenação social de vinhos e estilos de vinhos detalhadamente regulada. Duas das principais religiões do mundo emitiram veredictos opostos sobre a bebida: o ritual cristão da eucaristia tem o vinho como núcleo central, mas, depois do colapso do Império Romano e do crescimento do Islã, o vinho foi banido da própria região em que nasceu.
O renascimento do pensamento ocidental que ocorreu um milênio após a queda de Roma foi estimulado pela redescoberta do conhecimento grego e romano, sendo que boa parte deste tinha sido guardada e ampliada por estudiosos no mundo árabe. Ao mesmo tempo, os exploradores europeus, motivados pelo desejo de driblar o monopólio árabe sobre o comércio com o Oriente, navegaram rumo ao oeste para as Américas e ao leste para a Índia e a China. Foram estabelecidas rotas marítimas globais, e as nações europeias rivalizavam umas com as outras no intuito de retalhar o globo. Durante essa era das explorações, um novo grupo de bebidas tomou a frente, o que só foi possível pela destilação, um processo alquímico já conhecido no mundo antigo, mas bastante aperfeiçoado pelos estudiosos árabes. As bebidas destiladas ofereciam o álcool de forma compacta e durável, ideal para o transporte marítimo. Bebidas tais como conhaque, rum e uísque eram usadas como moeda para comprar escravos e tornaram-se particularmente populares nas colônias norte-americanas, nas quais se mostraram tão controversas politicamente que desempenharam um papel importante na criação dos Estados Unidos.
Seguindo-se a essa expansão geográfica veio seu equivalente intelectual à medida que os pensadores ocidentais passaram a olhar além das crenças existentes herdadas dos gregos e desenvolveram novas teorias científicas, políticas e econômicas. A bebida dominante dessa Idade da Razão era o café, uma infusão misteriosa e elegante introduzida na Europa a partir do Oriente Médio. Os estabelecimentos que surgiram para servir café tinham características nitidamente diferentes das tavernas que vendiam bebidas alcoólicas, e tornaram-se centros de permutas comerciais, políticas e intelectuais. O café ajudava a clareza do pensamento, o que o transformava na bebida ideal para cientistas, homens de negócios e filósofos. Discussões em cafés públicos levaram à fundação de sociedades científicas, jornais e instituições financeiras, e propiciaram um terreno fértil para o pensamento revolucionário, sobretudo na França.
Em algumas nações europeias, em especial na Grã-Bretanha, o café foi desafiado pelo chá importado da China. A popularidade do chá na Europa ajudou a abrir rotas comerciais lucrativas com o Oriente que serviram como base para o imperialismo e a industrialização numa escala sem precedentes, capacitando a Grã-Bretanha a tornar-se a primeira superpotência global. Uma vez que o chá firmou-se como sua bebida nacional, o desejo de manter seu suprimento teve consequências de longo alcance na política externa britânica, contribuindo para a independência dos Estados Unidos, o enfraquecimento da antiga civilização chinesa e o estabelecimento da produção do chá na Índia em escala industrial.
Embora as bebidas artificialmente gaseificadas tenham se originado na Europa no final do século XVIII, o refrigerante ganhou fama com a invenção da Coca-Cola, cem anos mais tarde. Tendo sido originalmente imaginada como um remédio estimulante por um farmacêutico de Atlanta, tornou-se a bebida nacional dos Estados Unidos, um emblema do vibrante capitalismo de consumo que ajudou a transformar esse país numa superpotência. Viajando pelo mundo durante o século XX, junto com os soldados norte-americanos que lutavam nas guerras, a Coca-Cola veio a se tornar o produto mais conhecido e mais distribuído no mundo, e é atualmente um ícone do avanço controverso na direção de um único mercado global.
STANDAGE, Tom. História do mundo em 6 copos. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 9-12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário