Posteridade:
Eles vão nos achar ridículos, os pósteros. / Nos
examinarão /Com extrema curiosidade / e um tardio afeto. / Mas vão nos achar
ridículos, os pósteros. / Olhando de lá tudo aqui / será mais claro para eles /
que nos verão / inteiramente diversos do que somos, / bem mais exóticos do que
somos. [...] / Farão simpósios, debaterão / e chegarão a bizarras conclusões. /
Assim entraremos para a história deles / como outros para a nossa entraram: /
não como o que somos / mas como reflexo de uma reflexão.
[Epitáfio para o século XX, Affonso Romano de
Sant’anna]
Madonna (The Confessions Tour)
"Em todo o meu trabalho, o objetivo é nunca ter vergonha: de quem você é, do próprio corpo, do próprio físico, dos seus desejos, das suas fantasias sexuais. A razão pela qual intolerância, sexismo, racismo, homofobia existem é o medo. As pessoas têm medo de seus próprios sentimentos, medo do desconhecido. E o que eu estou dizendo é: não tenha medo."
(Madonna)
“É preciso agora, para transformar o mundo, pensar em
construir um futuro diferente. Não se trata mais de contentar-se com um planeta
onde um bilhão de habitantes vive na prosperidade, enquanto outro bilhão
sobrevive na miséria total. É tempo de reformular uma nova economia, mais
solidária, baseada no princípio do desenvolvimento sustentável e que situe o
ser humano no centro das preocupações. [...] Nessa perspectiva, é preciso [...]
investir maciçamente nas escolas, na habitação e na saúde; favorecer o acesso à
água potável para o 1,5 bilhão de pessoas que não dispõem desse recurso [...].
[...]
A esse programa
para transformar o mundo, seria necessário acrescentar outras urgências: [...]
a emancipação da mulher em escala planetária, o princípio de precaução em
matéria de meio ambiente [...] etc. Utopias outrora, que se tornaram objetivos
políticos concretos para este século XXI que começa...” (Ignácio Ramonet,
historiador espanhol, jornalista e especialista em geopolítica)
[Consumismo] Ela nasce no século XIX, mas é no XX que ganha notoriedade.
Dizem que é mais conhecida que os Beatles, que, também diziam, eram mais
conhecidos que Jesus Cristo… . Um símbolo do consumismo, a Coca-Cola é um
fenômeno de publicidade, uma das marcas do século XX que, apostem, continuará
no século XXI, com ou sem embalagem biodegradável. Hoje são 606 milhões de
garrafas vendidas por dia em 200 países. É o refrigerante “que é isso aí”. Dá
para falar do século XX sem se lembrar da Coke? Isso tudo foi possível graças a
um eletrodoméstico que passou a ocupar espaço em 90% das casas brasileiras e é
responsável por uma nova idade do gelo em pleno século XX: a geladeira.
[Propaganda x doenças] O fumo também ganhou status social e bilhões de cigarros [...] passaram a ser consumidos no século passado O
cigarro é o responsável por imensas verbas publicitárias. Cowboys, camelos
simpáticos, carrões e mulheres lindas movem televisão, corrida de Fórmula 1 e…
hospitais. Cerca de três milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas
com o cigarro em cada ano do final do século XX. Outros morreram de cheirar
gasolina, o combustível do século. Em seu nome se fez a guerra de 1914 que [...] matou dez milhões de pessoas. Os motores a explosão interna foram
os impulsionadores ideais e, com isso, encheram as ruas e estradas com o objeto
de desejo de uma massa imensa de humanos: o carro. Se possível, um para o
homem, outro para a mulher, outro para o filho, outro para o fim de semana…
Todos nas ruas complicando o trânsito. Em São Paulo , por exemplo, qualquer chuva provoca 200 km de congestionamento.
Contudo o petróleo, atualmente sob controle da Exxon, mas que já foi controlado
pela família Rockfeller e pela Standard, continuou (e continua) a oferecer
gasolina e outros derivados para o modo de vida do século XX.
[Tecnologia] No século XX o corpo humano se dividia em cabeça, tronco e
rodas. O automóvel era o distintivo da notoriedade social. Dava status, abria
portas e conquistava corações. Por 850 dólares, era possível comprar, em 1908,
um Ford modelo T. Enquanto isso, um trabalhador da fábrica da Ford de Detroit
ganhava um salário de pouco mais de cinco dólares por dia. Nessa cidade nasceu
a linha de montagem, copiada por todas as outras fábricas do mundo, capaz de
derrubar o preço final e de produzir um carro a cada 24 segundos. A mesma linha
de montagem mostrada pelo gênio Charles Chaplin no filme "Tempos Modernos". Hoje
um carro possui equipamentos comandados por transistores, que se incorporaram à
vida do homem do século XX. Eles estão escondidos nos equipamentos domésticos,
nos aparelhos de som [...] e em diversos outros produtos. Com o
transistor, tudo diminui. [...] O invento que começa a ser usado
comercialmente na década de 1940 serve inicialmente para aparelhos de surdez e
hoje invade shopping centers, escritórios, clubes e outros estabelecimentos. [...]
[A moda] A moda vem ao encontro dos consumistas, e os que vivem dessa
atividade movimentam alguns bilhões de dólares por ano. Ela tem como templo
Paris, Londres, Milão e Nova York. As grifes são outra marca do consumismo do
século XX. É preciso mudar sempre a moda, para que as pessoas comprem sempre e
mudem o guarda-roupa tantas vezes o seu orçamento permitir. Não importa se as
roupas estão gastas ou se foram utilizadas uma única vez. É preciso mudar e
comprar. Coleções de roupas são tantas que usos antigos são retomados como
dernier cri. Desfiles são transformados em um espetáculo suntuoso, caro, prestigiado
e erótico. Moda de inverno, verão e meia-estação. Roupa para homens, mulheres,
velhos, jovens e crianças. Roupa esportiva, social, de rigor, de praia, de
campo, de camping. Enfim, para cada modo de vida ou performance, uma roupa com
sua grife. Muitas roupas têm costuras do lado de fora. É uma forma de dizer que
o portador, pasmem, pertence a uma determinada elite ou tribo.
[Os shoppings centers] Os shopping centers são os templos do consumo [...]. Ao lado dos megastores atraem milhões de pessoas que compram
aquilo de que precisam e aquilo de que não precisam. Para muitos são os novos
locais de lazer. As vitrines, os cinemas, as praças de alimentação e os espaços
para espetáculos são os maiores atrativos. Os shoppings se tornam os pontos de
encontro de jovens e velhos, substituindo as praças. Tudo isso é possível
graças à publicidade. A propaganda toma conta dos meios de comunicação
eletrônica, dos outdoors e dos grandes painéis computadorizados das avenidas,
que vendem saúde, alegria, sexo e a satisfação garantida ou o dinheiro de
volta… As lojas de fast-food invadem os recantos mais distantes. São
construídas lanchonetes da rede McDonald’s em Moscou, Pequim ou numa favela
brasileira. O novo rei é o hambúrguer, universalizado como o alimento do final
do século XX. Obviamente acompanhado de uma Coca-Cola. O consumo gera montanhas
de lixo, subproduto de consumo e uma dor de cabeça para as cidades. O que fazer
com as embalagens de plástico, pilhas e baterias de celular? Os ecologistas
lutam para que os fabricantes recebam os produtos usados. Seguindo a lógica do
capitalismo do final do século XX, o custo da reciclagem vai ser repassado para
o consumidor.
[Cinema] O século XX começa a mudar quando são difundidos pelo mundo
cenários de aventura, prazer, romance, traição, perigo e humorismo. O estilo de
vida do início do século conquista corações e mentes e determina a maneira de
ser de milhões de pessoas em todo o mundo. Os ídolos ganham fãs. Os fãs põem os
nomes dos ídolos nos filhos. A roupa, a música e a vida de ficção vivida na
tela dos cinemas inspiram a vida das pessoas comuns. O jeito de pegar o cigarro
de Humfrey Bogart em "Casablanca" passa a ser imitado por homens do mundo todo.
Ao longo do século XX, o cinema dita moda e comportamento. Mesmo no final do
século, quando os produtores do filme "Titanic" investem duzentos milhões de
dólares para contar a história do transatlântico e faturam mais de 2 bilhões e
400 milhões, jovens imitam e se apaixonam pelo herói Leonardo Di Caprio. A
indústria cinematográfica influencia decisivamente a cultura de todo o mundo.
[Estética] Os padrões globais de estética seguem a internacionalização
geral. Negros mais brancos. Brancos mais negros. Orientais de olhos
arredondados. Morenos de cabelos loiros e loiros de cabelos pretos. A magreza é
um ideal a ser conquistado custe o que custar. Os alimentos dietéticos, ligths,
sem colesterol são a chave para derrubar as gordurinhas que impedem homens e
mulheres de parecerem com os modelos maravilhosos da tevê e das revistas de
toda ordem. Lança-se mão de medicamentos, suplementos alimentares, ginástica e
academias para se manter o padrão estético considerado belo. O corpo ganha
espaço para fora das roupas, uma mistura de sensualidade e exibição dos
progressos obtidos com tanto esforço físico e até mesmo fome. Uns comem demais,
outros de menos. Uns querem emagrecer e fazer parte do senso estético
universal; outros querem não morrer de inanição provocada pela pobreza. Abre-se
espaço para as cirurgias plásticas e os tratamentos para retardar o
envelhecimento. Depois de 500 anos continua a busca da fonte da juventude
idealizada pelo conquistador espanhol Ponce de León.
[A vida nas cidades] A vida intensa, principalmente nas cidades, trás consigo o
stress e as suas seqüelas. Muita gente se volta para o seu interior em busca da
tranqüilidade da mente, perturbada pelo ritmo frenético do final do século XX.
Muitos voltam-se para o Oriente. A ioga e o zen são difundidos como métodos
para purificar a psique, fortalecer a concentração e expandir a consciência.
Outros partem para o misticismo buscando respostas em tarô, astrologia, búzios,
quiromancia, etc. para as clássicas perguntas: “De onde viemos?” e “Para onde
vamos?”. Isso depois de cinco milênios e meio de história.
[O rock' n' roll] Talvez ninguém lembre mais que o rock nasce no século XX, em
meados da década de 1950, com o nome de rock’n’ roll. Mas os fãs de Elvis
sabem. Elvis Presley muda a música do século XX gravando “That’s all right”. O
movimento musical é tão importante que vira museu em pleno Picadilly Circus ,
em Londres, onde Elvis é a primeira atração, com suas roupas “transadas” e carrão
rabo-de-peixe. Depois é só seguir a trilha e dar de cara com Bill Halley e Seus
Cometas, Little Richard, Chuck Berry e tantos outros ídolos do rock. Tudo vai
bem com Janis Joplin e Jimmy Hendrix e muita gente pelada em Woodstock, quando
um grupo de rapazes de Liverpool grita “I wanna hold your hand”. Os Beatles
universalizam o som do século, um verdadeiro big bang musical. Reeditam o
estilo com o som de suas guitarras. Uma poderosa indústria nasce e cresce com
os megashows em Nova York ,
Londres ou Moscou. O colonialismo cultural varre os continentes cavalgando os
sons do rock e ninguém no planeta pode ficar imune a ele. Por onde passa,
contamina a música local e se impõe por si mesmo. É o som da mudança, das
atitudes revolucionárias, do inconformismo, da convivência com o sexo livre e
com as drogas. Pós-Beatles cantam os Rolling Stones, Bob Dylan, Madonna e
Michael Jackson. Uma sucessão de conjuntos e singers são devorados pelo
consumismo e pela indústria fonográfica, que não espera um sucesso chegar ao pico
de vendas para lançar outro. Uma imensidão de produtos são gerados pelo rock
para uma multidão que dança, canta e consome sem saber exatamente o quê.
[Guerra Fria] O rock é a arma da Guerra Fria. O som das guitarras e
baterias atravessa o Muro de Berlim, abala as convicções marxistas de alemães,
tchecos, húngaros, albaneses, iugoslavos e muitos outros povos. Nada é capaz de
impedir a propagação do rock. Nem mesmo os discursos soviéticos de que o gênero
se tratava de um sintoma da decadência burguesa. Aos poucos os conjuntos de
roqueiros são admitidos na União Soviética e na China. Ajudam a derrubar a
sociedade planificada por dentro, com o apoio de sua juventude que em vez de
cantar a “Internacional”, cantam “Abbey road” ou “Lucy in the sky with
Diamonds”, que é mais do que uma canção, é a sigla do LSD, o ácido lisérgico.
Drogas como a maconha e a cocaína se associam ao mundo do rock e muita gente,
famosa ou não, morre de overdose. Entre elas, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Jim
Morison. A associação sexo, drogas e rock assusta pais, professores, religiosos
e Forças Armadas. O tráfico de drogas é tão intenso que em algumas regiões do
mundo, como na América Latina, os militares assumem a missão de combater o
narcotráfico. Mas não basta curtir o som dos ídolos do rock. É preciso
carregá-los consigo. Por isso renasce com grande força o uso das tatuagens com
temas do rock, principalmente entre os jovens. Outra marca desse som
revolucionário em seus megashows são os piercings. Milhões de pessoas colocam
brincos e pingentes nas orelhas, nariz, língua e até mesmo nos órgãos sexuais.
[Família e sexualidade] O tabu sexual vem do passado e tem sustentação religiosa.
Sexo só para a reprodução. O prazer sexual abre o século XX como um pecado a
ser combatido por religiosos e moralistas. Muito antes da revolução sexual dos
anos 1960, o tabu é atacado por Margaret Sanger. Ela empunha a luta pelo
direito de a mulher escolher se quer ou não ter filho, situação quase
inevitável quando um casal mantém relações sexuais. As mulheres querem ser
donas de seu próprio corpo e de decidir quando fazem sexo por prazer ou para
ser mãe. Com a pílula e outros métodos anticoncepcionais, ela consegue se
aproximar da liberdade sexual masculina e dá um grande passo em direção à sua
libertação. Ela passa a considerar o direito ao sexo como um direito natural do
ser humano, ainda que as resistências continuem no final do século XX. Já na
década de 1920 as mulheres conquistam o direito do voto, atuam politicamente e
passam a defender nos parlamentos salário igual ao do homem e liberdade de
aborto, assunto que ainda hoje provoca polêmica, inclusive no Brasil.
[Homossexualidade] As doenças sexualmente transmissíveis são relatadas na
América desde que os europeus começam a colonização nos séculos XVI e XVII.
Eles trazem, por exemplo, a sífilis, responsável pela morte de milhares de
índios que têm contatos sexuais com os brancos. Contudo esse tipo de doença
ganha maior importância com a liberação sexual e a admissibilidade da
homossexualidade. As preferências homossexuais de homens e mulheres sem qualquer
orientação social dão oportunidade para o desenvolvimento da doença sexualmente
transmissível mais terrível de todos os tempos: a “síndrome da imunodeficiência
adquirida”, ou aids. A difusão da doença, inicialmente por promiscuidade da
utilização de seringas por drogados e depois por contágio sexual, deixa a
medicina diante de um novo e importante desafio: o de encontrar a cura da aids
e uma vacina para impedir que a epidemia se espalhe rapidamente pelo mundo do
século XX. A aids levanta questões sociais imensas. Desde a de ordem moral e
religiosa como a premissa de que a doença é uma resposta da natureza contra a
promiscuidade ou de Deus contra a “prática do homossexualismo”, condenado pela
maioria das religiões. Homossexuais (homens e mulheres) sofrem perseguições
políticas, perdem seus empregos, são apontados nas ruas como seres intoleráveis
e por pouco, em pleno final do século XX, não se recria o princípio do pária
social, da bruxa responsável pela Peste Negra, ou pelas péssimas colheitas…
Episódios históricos que deveriam pertencer somente ao passado. Contudo há
reação, sobretudo dos grupos de direitos humanos, e essas discriminações estão
sendo atenuadas.
A utilização da camisinha passa a ser uma prática universal.
Pais e mães perguntam aos filhos e filhas se têm camisinha no bolso. Um cuidado
crucial para impedir a progressão da aids, mas de outro lado a confirmação da
revolução sexual iniciada nos anos 1920, desenvolvida na década de 1950 e que
chega à sua maturidade no final do século XX. Todos, escolas, igrejas, família
e meios de comunicação, falam de sexo, de gravidez, de aids e de
homossexualidade. É verdade que, em alguns setores da sociedade brasileira,
isto é mais difícil por causa do conservadorismo histórico. Mas ninguém mais
acredita em cinto de castidade ou que alguém não vá se casar com outra pessoa
porque esta não é mais virgem ou então que liberdade sexual necessariamente
signifique fim da família ou libertinagem total. É uma mudança difícil. Esses
preconceitos e tabus são repetidos e reafirmados por séculos; por isso leva-se
tempo para mudar essa situação. Contudo o século XX tem o mérito de ter
conseguido mudanças extraordinárias em tão pouco tempo a ponto de ninguém mais
imaginar que uma família vai jogar na rua a filha porque transou com o
namorado. Ou vai?
[Aldeia global] Fica declarada a existência da aldeia global. Esta
constatação é de McLuhan, estudioso da comunicação do século XX. E a aldeia
fala, ouve e lê de qualquer parte do planeta. Não é mais possível um general de
opereta tomar o poder em uma republiqueta qualquer do mundo, bombardear a
central telefônica e fechar veículos de comunicação ou impedir a difusão de
notícias. O jornalista tira do bolso o seu celular mundial, acessa o satélite
diretamente, passa as notícias para a redação da mídia para qual trabalha, em
qualquer país, e recebe de volta, via fax, a pauta do seu próximo trabalho. Ele
também pode usar um celular com câmara acoplada e suas imagens e
reportagenspoderão ser exibidas pela tevê, via satélite, para todo o planeta.
Qualquer um fala de qualquer lugar para qualquer lugar. Do Saara para a
Floresta Amazônica, do topo do Twin Towers, em Nova York , para o Cristo
Redentor no Rio de Janeiro. A digitalização do som e da imagem possibilita sua
transmissão por satélite, por telefone, por fibra óptica, ou por onda de rádio.
Não há mais como não se comunicar. Não há mais isolamento. Não há mais
silêncio. Se depender da tecnologia existente no século XX, a humanidade não
vai "se estrumbicar" como dizia o Velho Guerreiro, Abelardo Barbosa, na célebre
máxima: “Quem não se comunica se estrumbica”.
A aldeia virtual do século vê e vive a televisão. Passa a
acreditar que em um mundo onde o cartão de crédito é mais importante que o
passaporte, só existe o que é mostrado na televisão. Ela é o veículo que
proporciona os 15 minutos de glória almejados por tanta gente de tantos
lugares. É a responsável pela difusão da educação, da cultura e da banalização
da violência. É cultuada e odiada por muitos. Divulga os costumes dos povos e
ao mesmo tempo determina hábitos, tendências e comportamentos.
É o mais legítimo representante da comunicação do século XX.
Uma experiência que começa em um estúdio de Nova York, onde são mostradas
imagens de um homem que põe e tira os seus óculos. Nasce um dos meios de
comunicação mais influentes de toda a história da humanidade. É mais do que o
rádio com imagem. Na década de 1940 o campeonato de beisebol é transmitido pela
tevê. Na década de 1950, 90% dos lares americanos possuem uma tevê. No Brasil
caminha-se rapidamente para essa marca. Ela ocupa lugar de destaque nas salas,
no quarto do casal e nos quartos dos filhos. Em cada cômodo, um aparelho. A
tevê passa a ser um serviço, com ou sem canal a cabo, com ou sem filmes
eróticos, nos hotéis, motéis, aviões, casas de repouso… Com o telefone ocorre
algo semelhante. Ele se multiplica por linha física, fibra óptica ou ondas. O
telefone celular é capaz de chegar a todos os pontos do mundo, invadindo
calçadas e atrapalhando concertos e peças teatrais. O telefone deixa de ser um
aparelho de uso doméstico e passa a fazer parte do vestuário, pendurado na
cintura ou disputando espaço com as calculadoras no bolso das camisas.
A informação, que viaja na velocidade da luz, pode ir além.
Um laboratório de óptica descobre que determinada onda pode viajar pelo espaço
a 0,002% acima da velocidade da luz. É a onda superminal, que vai provocar uma
revolução nas telecomunicações. É tão inovadora que põe em cheque a teoria da
relatividade desenvolvida por Einstein. Abre para a comunicação o universo,
antes mesmo do homem se apossar de uma ínfima parte dele. Estamos no limiar de
uma mensagem ir e vir antes mesmo de partir.
[Medicina] A medicina do século XX se desenvolve a partir de algo
infinitamente pequeno. Os microscópios, que aumentam os objetos milhões de
vezes, são os instrumentos que possibilitam progressos nunca antes imaginados
para recuperar a saúde dos seres humanos. Velhos tabus caem no século XX. Entre
eles a possibilidade de substituir um órgão doente por outro. O impacto começa
na década de 1960 com os primeiros transplantes de coração, evoluindo para
outros órgãos internos, até a rotina das filas de pessoas que esperam um órgão
no leito dos hospitais. Já no final deste século o tabu sofre novo impacto: um
homem recebe um transplante de uma mão inteira, recupera os movimentos e diz
que já sente sensibilidade nas pontas dos dedos. O próprio conceito de morte
muda. As pessoas estão mortas mesmo com o coração batendo. A medicina desloca o
núcleo da vida do coração para o cérebro e consegue convencer a opinião pública
mundial de que a morte verdadeira é a cerebral. Este também é o século da
picada. No braço. O desenvolvimento da imunologia abre amplos espaços para a
criação de vacinas contra doenças graves. As vacinas são divulgadas por amplas
campanhas populares em todos os continentes, a ponto de algumas doenças estarem
desaparecendo; o número de vacinas aumenta cada vez mais e elas já são capazes
de prevenir diversas doenças, como hepatite, difteria, poliomielite e sarampo.
Mais uma revolução, agora na saúde pública.
A batalha contra a infecção começa a ser ganha antes de
terminar a Segunda Guerra em 1946. Muita gente se salva da morte graças ao
aparecimento dos antibióticos, desenvolvidos a partir do trabalho de Alexandre
Fleming. Durante a guerra os laboratórios passam a produzir em massa esses
remédios que revolucionam o combate a muitas infecções, como sífilis, tétano,
gangrena, pneumonia, escarlatina, febre reumática e dor de garganta. Um
sem-número de doenças não resiste a um balcão de farmácia atendido por uma
pessoa de mediano conhecimento farmacológico. Mas não adianta avançar tanto no
equilíbrio físico se não há equilíbrio psicológico. Quem foi mesmo que disse
que mens sana in corpore sano? Sigmund Freud inverte o velho aforismo latino.
Não há corpo são se a mente não estiver sã. Freud publica o livro "Interpretação
dos Sonhos" em 1899. Um velho livro e uma velha pesquisa continuam novinhos em
folha a ponto de nada mais de tão importante ter sido acrescentado a eles.
Freud disse alto e bom som para toda a humanidade que os sonhos são as chaves
do nosso subconsciente. A parte de nossa mente que contém vontades reprimidas,
traumas, desejos assustadores demais para serem admitidos. Sua obra provoca
polêmica ao longo de todo o século e foi parar no Índice dos livros proibidos
da Igreja. Contudo o mundo jamais volta a ser o mesmo depois da publicação da
obra completa de Freud.
A medicina assiste a uma longa polêmica entre os que
defendem a tecnologia e os partidários da holística. Os primeiros apostam em
todo o tipo de tecnologia capaz de investigar o interior do corpo à procura das
doenças mais estranhas. São os operadores de raio x, tomografia
computadorizada, ressonância magnética, xerorradiografia, laparoscopia e muitos
tubos portadores de tevê capaz de navegar pelas veias e artérias entupidas. É a
medicina dos remédios que, de tão populares, viram substantivo, como melhoral.
Ou os que ganham notoriedade por acenarem com a cura de doenças como obesidade,
Xenical, e impotência, Viagra. Em contrapartida, as pessoas adeptas da
holística defendem a retomada da medicina natural, fitoterápica, homeopática.
Dois extremos responsáveis pelo aumento da longevidade do homem do século XX e
garantidores de que em poucos anos a terceira idade só vai começar aos cem
anos. Obviamente isso vale apenas para quem não fuma. Portanto estão fora desse
futuro os três milhões de pessoas que morrem anualmente por causa das
baforadas.
[Plásticos] É praticamente impossível viver sem ele. Não há lugar onde
ele não esteja. O primitivo plástico nasce em 1907 e é chamado de baquelite.
Hoje é conhecido por diversos nomes. A embalagem plástica de refrigerante, por
exemplo, é chamada de PET. Dada a sua versatilidade, esse tipo de plástico é
utilizado na maioria das indústrias. De alimentos a aeronáutica. A produção de
plástico gera um milhão e quatrocentos mil empregos e movimenta 260 bilhões de
dólares. Seus derivados são milhares e ainda assim a pesquisa está longe de
esgotar as possibilidades de utilização desse material do século XX. Talvez o
seu mais direto perseguidor seja a borracha, responsável por outros 40 mil
produtos derivados. Da camisinha ao pneu. Muitos pneus. Também é impossível
viver sem aquele objeto que cabe no bolso da camisa e é capaz de fazer, entre
outras coisas, cálculos com uma velocidade incrível e é conhecido como
computador. O mesmo que na década de 1940 funciona com 18 mil válvulas e pesa
30 toneladas. O computador deixa o laboratório de pesquisa e hoje controla
aviões, nave espacial, navios, centros cirúrgicos, bancos e o orçamento
doméstico. Corremos o risco de ter que competir com a inteligência dessas
máquinas, como o Deep Blue, que vence o campeão mundial de xadrez, Gasparov.
[Conquista do espaço] Ninguém mais olha o céu quando passa um avião. No início do
século XX balões e mais balões flutuam sur le ciel de Paris. Nas cercanias da
cidade, Santos Dumont prepara em suas oficinas, em 1906, um avião para ganhar
prêmio de inventores. Três anos antes os irmãos Wright também experimentam o
veículo do século. Para trás fica a Maria Fumaça, a mesma que se regenera no
final do século com os Trens de Grande Velocidade, capazes de desenvolver até 515 quilômetros
horários ou flutuar por repulsão magnética sem tocar nos trilhos. Estes são os
trens do século XXI. Vão flutuar como imensos balões e correr como aviões a uma
distância de poucos centímetros do solo. Talvez salvem as grandes cidades dos
gigantescos congestionamentos de carros particulares. Os céus também estão
congestionados. Neste final de século milhões de pessoas viajam todos os anos
em aviões cada vez maiores com tarifas cada vez mais baixas. São os Jumbos, que
podem viajar com 500 passageiros e, em breve, vão carregar até mil pessoas. Os
aviões aproximam os continentes a partir da viagem de Charles Lindenberg, entre
Estados Unidos e Europa, juntam povos e culturas, substituem os velhos
transatlânticos e se tornam armas cada vez mais mortíferas nas guerras deste
século (uma dessas guerras é retratada pelo gênio Pablo Picasso, que pinta uma
tela com o nome de "Guernica"). São testados na Guerra Civil Espanhola, em 1937,
quando a divisão Condor nazista, pela primeira vez, prova ser capaz de varrer
uma cidade do mapa. Outras cidades também somem, bombardeadas por alemães,
ingleses, russos, japoneses e americanos. Esse mesmo avião decide de forma
cirúrgica a Guerra do Golfo e tem uma participação fundamental na Guerra da
Iugoslávia, com seus mísseis capazes de atingir um quartel no meio de uma
cidade. Um ou outro erro, como atingir um hospital ou uma escola, sempre são
considerados desculpáveis do ponto de vista do atacante. Depois do avião, a
mais importante invenção aeronáutica é o motor a jato. Também nascido da
guerra, proporciona um avanço capaz de torná-lo o meio de transporte mais
seguro do século.
O avanço tecnológico, a Guerra Fria, que ameaça a existência
da humanidade mais de uma vez neste século, e a busca das glórias e da
publicidade esquentam os motores da conquista do espaço. Em pleno ano 2000
ainda existem pessoas que não acreditam que o homem chegou à Lua. Nem mesmo as
imagens da televisão mostrando, ao vivo, os tripulantes da nave Apollo XI
caminhando no satélite natural da Terra os convence de que isso é possível.
Russos, americanos, europeus, asiáticos e brasileiros se empenham para
construir mais uma parte da plataforma orbital internacional, que já está
girando em torno da Terra e que em breve vai receber, além de cientistas e técnicos
os primeiros turistas espaciais. O século XX realiza o que foi imaginado cem
anos antes pelo célebre escritor Victor Hugo.
[Biotecnologia] Um molécula determina como nós somos. Seu nome é DNA. O nome
completo é ácido desoxirribonucléico. Quase um palavrão. Contudo as pesquisas
abrem caminhos nunca imaginados pelos primeiros estudiosos. Onde se viu
produzir animais capazes de secretar remédios no leite? Ou bananas inoculadoras
de vacinas contra epidemias? Ou um pé de fumo que brilha no escuro com um gene
doado por um vaga-lume? É na metade do século XX que se visualiza pela primeira
vez a forma helicoidal em que se organiza o DNA. A partir daí, muitos já temem
que o mundo descrito no livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, se
concretize no século XXI.
Faz cem anos que a obra do monge Gregor Mendel foi
redescoberta. Ele tinha divulgado uma pesquisa com as leis básicas da
hereditariedade. Em suma descobre que se pode, matematicamente, prever as
características que uma planta passaria para sua sucessora pelo princípio
genético. A agricultura do século XX sofre uma revolução quando se prova que se
podem obter sementes mais produtivas, mais resistentes a pragas e adaptadas às
condições climáticas e geográficas se controladas geneticamente. Com esta
técnica, apoiada pela mecanização, nunca se produziu tanto em tão pouco espaço
de terra. O alimento começa a sobrar ainda que muitos morram de fome por causa
da péssima distribuição das rendas mundiais. Os estudos da genética geram
condições para que pseudocientistas lancem mão dessa ciência para comprovar as
teorias racistas do século anterior. Para defender tais teorias, era necessário
que um Estado as adotasse. O III Reich abraça a tese da pureza das raças.
Hitler e sua camarilha usam e abusam das cobaias humanas para fazer
experimentos genéticos e químicos em laboratórios, com presos dos campos de concentração.
Josef Mengele, o Anjo da Morte, chefia parte dessas pesquisas que visam
“melhorar” geneticamente as raças e impedir a reprodução daqueles que não
tenham um padrão genético aceitável para os nazistas. Tudo isso se esvai por
falta de comprovação científica e pela horrorosa violação aos mais ínfimos
princípios dos direitos humanos.
A biotecnologia abre amplo espaço para a recuperação
ecológica do planeta, seriamente comprometido pelo avanço predatório sobre a
natureza mineral, animal e vegetal. A industrialização desorganizada, a busca
dos mercados mundiais a qualquer preço e o desprezo pela natureza contribuem
para a devastação, que é uma das características mais marcantes deste século;
não é possível resgatar nenhuma atividade humana do século XX sem que se
constate a depredação do meio ambiente. Este é um desafio para o próximo
século, sob pena de se viver em um planeta cuja hostilidade é construída por
nós mesmos. Ninguém mais vai esquecer o nascimento do primeiro mamífero
clonado, Dolly, uma ovelha que passa para a história do progresso da
biotecnologia. Criada em um laboratório, é originada das células mamárias de
outra ovelha igual a ela. Será possível, ética ou cientificamente, clonar seres
humanos? Os próximos anos vão responder. Enquanto isso as consultas médicas se
iniciam com a coleta de uma pequena amostra de sangue: uma rápida análise do
DNA do paciente é capaz de detectar um problema de saúde do momento ou um outro
que ainda vai se manifestar. (BARBEIRO, Heródoto et alli. História geral e do Brasil. São
Paulo: Scipione, 2005.)
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