"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Civilização helenista

Alexandre Magno. Mosaico encontrado em Pompeia.

Filipe da Macedônia conquistara a Grécia; seu filho Alexandre difundiria a cultura grega ao estender o império macedônico, em dez anos de campanhas fulminantes, à Ásia menor (333 a.C.), ao Egito (332 a.C.), à Mesopotâmia (325 a.C.). Pretendia atingir as margens do rio Ganges, mas resolveu regressar, pois o exército, cansado de uma guerra de conquista que parecia interminável, recusava-se a persistir no avanço.

Alexandre não foi apenas um grande chefe militar; também explorou e civilizou as terras conquistadas. Acompanharam suas expedições vários estudiosos, que revelariam aos gregos a geografia das regiões percorridas, a existência no Oceano Índico de ventos períódicos (as monções), de marés acentuadas, bem diferentes das marés do Mar Mediterrâneo. Por onde passava, com seus exércitos, Alexandre ia fundando cidades com características gregas (templos, teatros, ágora, ginásios), entre as quais adquiriu destaque Alexandria, no Egito.

Alexandre encontrava-se em Babilônia quando morreu inesperadamente, vítima de uma febre, aos 32 anos (323 a.C.), sem ter podido organizar seu império nem escolher um sucessor. O vasto território acabou desmembrando-se: a Índia e a Pérsia recuperaram a independência e quatro reinos se formaram: Macedônia, Egito, Síria e Pérgamo. Nos séculos II e I a.C. caíram em poder dos romanos, que realizaram o sonho de Alexandre: unir o Oriente e o Ocidente, num só império.

O desmembramento do império de Alexandre em reinos governados por monarcas todo-poderosos marcou o fim das cidades-estados na Grécia e o declínio de suas atividades, fazendo com que muitos gregos emigrassem para esses novos reinos. Assim, levaram às mais diversas regiões uma considerável soma de conhecimentos, de técnicas, seus hábitos, seus costumes, seu idioma, toda a sua cultura, enfim.

A cultura grega, enriquecida em estreito contato com elementos culturais do Oriente, foi-se expandindo cada vez mais e passou a exercer grande influência sobre os romanos, que atuariam como transmissores da herança helênica.

Neste período destacaram-se três cidades: Antioquia, Pérgamo e Alexandria.

Para Antioquia, célebre por seu luxo e elegância, convergiam as rotas das caravanas vindas do Oriente, tornando-se o principal centro de trocas comerciais entre a Europa e a Ásia.

Pérgamo, transformou-se em um magnífico centro de arte, ali se aperfeiçoando um antigo processo babilônico para tratamento do fino couro de carneiro recém-nascido. Surgiu assim o pergaminho, sobre o qual se escrevia e que, por ser muito resistente, foi aos poucos substituindo o papiro.


Teatro grego em Pérgamo

Foi no entanto Alexandria* a maior cidade helenista, graças a suas atividades comerciais e intelectuais. Seu porto, o maior do Mediterrâneo, era amplo e bem construído e, na ilha de Faro, uma torre luminosa (daí o substantivo farol) orientava, à noite, os navegantes em um raio de aproximadamente 50 quilômetros.

* "Lá fica a casa de Afrodite. Pois tudo o que existe pode ser encontrado no Egito: riquezas, esportes, poder, clima agradável, glória, espetáculos, filósofos, jóias de ouro, belos jovens, templo dos deuses irmão e irmã, excelente rei, Museu, vinho, todos os prazeres que desejais, mulheres em tão grande número que [...] o céu não pode se vangloriar de um igual número de estrelas: e são as mulheres tão bonitas quanto as deusas que, no passado, pediram a Páris para julgar quem era a mais bela". (Herondas, Mimo I, A alcoviteira, v. 26-35. Citado por SALLES, Catherine. Nos submundos da Antiguidade. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 42.)

O edifício mais célebre de Alexandria era o Museu, consagrado às musas protetoras das artes, das ciências e das letras. O Museu compreendia jardins botânico e zoológico, uma escola de medicina, um observatório astronômico, uma biblioteca com centenas de milhares de papiros e pergaminhos, e diferentes locais para trabalho e pesquisa.

Em Alexandria receberam impulso e progrediram várias ciências: a astronomia e a geografia, com Hiparco e Eratóstenes; a geometria com Euclides, a física com Arquimedes.

A biblioteca, sob a direção de Aristarco, incentivou estudos detalhados de obras literárias do passado, que foram sendo reunidas, comparadas, analisadas, explicadas. Nasceu assim a filologia.

Enquanto Alexandria destacava-se como centro de pesquisas científicas, Atenas continuou sendo o centro de irradiação de idéias filosóficas. Apareceram, nesse período, duas novas escolas de pensamento: a epicurista, fundada por Epicuro, e a estóica, fundada por Zenão (de stoá = pórtico, onde Zenão ensinava). Os estóicos pregaram o controle de si mesmo e o descaso pelo sofrimento (daí o termo estóico significar aquele que suporta sem queixas). Os epicuristas propunham a busca da felicidade pela renúncia aos desejos, que são causas de tormento.

Na literatura houve a preferência pelos epigramas, composições de dois ou quatro versos que, em forma concentrada, porém brilhante, exprimiam uma crítica, um pensamento, uma mensagem. Entre os epigramas tinham importância os epitáfios, para serem gravados em lápides tumulares.

A arte modificou-se largamente. Sob a influência do Oriente, a arquitetura helenística perdeu as linhas sóbrias e equilibradas, tornando-se extravagante e monumental.


Templo em Gami

A escultura deixou de exprimir o equilíbrio de emoções, passando a comunicar uma intensidade dramática exagerada, embora algumas obras ainda conservassem características da época clássica grega.


Vênus de Milo

Quando os reinos helenísticos caíram em poder dos romanos, estes rapidamente assimilaram a cultura com a qual entraram em contato, absorvendo assim o legado cultural grego. Por isso sua civilização foi na realidade uma civilização greco-romana. E, como o Império Romano estendeu-se depois a várias regiões da Europa, inclusive à península Ibérica – que, por sua vez, haveria de empreender mais tarde a conquista de terras americanas -, nós, no Brasil, somos também em parte herdeiros da civilização grega.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 76-79.
SALLES, Catherine. Nos submundos da Antiguidade. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 42.

Nenhum comentário:

Postar um comentário