Cena de sacrifício. Cratera, ca. 430 a .C. – 420 a .C., Atenas. Artista
desconhecido.
Foto: Marie-Lan Nguyen
O crescimento e a sobrevivência dessa série de pequenos Estados foram muito ajudados por um golpe de sorte da história. Na época em que os gregos estavam criando suas tradições e combatendo em suas guerras, não havia nenhuma grande potência no leste do Mediterrâneo capaz de tirar vantagem de suas fraquezas e submetê-los à servidão. Os minoicos haviam saído de cena. O Egito se preocupava com as ameaças às próprias fronteiras, e não tinha energia para se aventurar pelo Mediterrâneo. O outrora poderoso reino hitita, na Anatólia, entrara em colapso. A Pérsia, uma potência que mais tarde constituiria uma ameaça à sobrevivência grega, estava muito longe e ainda demoraria um bom tempo antes de se tornar o grande império que conhecemos. O vácuo de poder assim criado não só protegia essa série de pequenos Estados da interferência externa como também abriu ricas oportunidades para o comércio e a colonização.
"Pequenos Estados" é uma descrição precisa do que eram essas comunidades. Em 400 a.C., quando essa vivência em civilização estava prestes a ingressar em seu período mais brilhante, apenas três delas tinham mais do que 20 mil cidadãos. Eram as cidades de Atenas - a mais populosa do continente grego -, Siracusa e Acragas, dois povoamentos na ilha da Sicília que haviam sido fundados por gregos do continente centenas de anos antes.
"Cidadão", nesse contexto, não tem o mesmo significado atual. Um cidadão era alguém que tinha o direito de participar das discussões públicas sobre os assuntos comunitários e de registrar seu voto em tais questões. Acima de tudo, o cidadão era do sexo masculino. No que diz respeito a opinar, votar ou até estar presente nas assembléias públicas, mulheres eram não pessoas: elas ficavam em um limbo político, com os estrangeiros residentes, crianças e escravos. Os cerca de 60 mil cidadãos autorizados a participar da discussão dos assuntos referentes à gestão pública na Atenas de 400 a.C. eram a porção politicamente visível de uma população de meio milhão. Escravos e estrangeiros residentes os superavam em quantidade numa proporção de quatro para um.
Tendemos a acreditar que uma série de pequenas comunidades, muitas delas ocupando vales estreitos, sem fácil comunicação com o restante do território, devia necessariamente ter sido pobre em termos materiais, mas isso significaria subestimar a importância do mar às suas portas. Cadeias de ilhas tornam a navegação propícia, e centenas de povoamentos gregos pontilhavam as costas, não apenas no próprio continente grego, mas também na Ásia Menor e no Mar Negro. Todo o leste do Mediterrâneo constituía uma enorme praça de mercado, e esses povoamentos gregos, junto com as cidades dos fenícios e a grande cidade de Alexandria, na foz do Nilo, eram suas barracas de produtos.
Em nenhum outro lugar houve algo remotamente parecido. Centenas de navios singrando o oceano de um lado para o outro. As cidades-Estado gregas, parecendo tão insignificantes como entidades individuais, usufruíam do melhor de dois mundos: a atmosfera de liberdade da cidade e os benefícios de uma world wide web de comércio e aprendizado. Elas controlavam os próprios negócios, livres da burocracia imperial, e contudo podiam usufruir de uma vasta rede comercial. Essa situação proporcionou o surgimento de uma civilização única, mais brilhante do que qualquer outra que a antecedeu e tão fantástica quanto qualquer outra que viesse depois.
Próximo post: O mundo dos gregos 4: a cultura das cidades gregas em torno do Mediterrâneo
AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução á 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 91-92.
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