"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O mundo dos gregos 4: a cultura das cidades gregas em torno do Mediterrâneo

Eros e um jovem. Ca. 460-450 a.C., Penthesilea. 
Foto: Marie-Lan Nguyen

Um dos motivos para as extraordinárias realizações dessa civilização foi o que podemos chamar, sem fugir à verdade, de desarraigamento. Esses gregos eram recém-chegados em suas novas pátrias. Comparados com os egípcios ou os chineses, eles carregavam muito menos bagagem cultural trazida do passado. Eles honravam seus ancestrais, e tinham seus heróis antigos, mas não se inibiam em fazer e avaliar o que não havia sido feito ou avaliado antes. E nenhuma conspiração de reis-deuses e sacerdotes para lhes dizer o que deveriam pensar. Tinham seus deuses - uma miríade deles -, mas estes devotavam tanto tempo à perseguição de seus casos amorosos ilícitos que dificilmente faziam o tipo capaz de intimidar cidadãos livre-pensadores.

Apolo. Ca. 460 a.C.
Foto: Fingalo

Em uma onda de criatividade que durou trezentos anos, entre 500 a.C. e 200 a.C., essas cidades gregas em torno do Mediterrâneo criaram obras-primas nas artes, na arquitetura e na literatura que até hoje nos deixam sem fôlego. Elas produziram inúmeros gênios - entre eles Arquimedes, Aristóteles, Pitágoras - cujos trabalhos em mecânica, matemática, astronomia e história natural lançaram as bases para as ciências modernas. E inventaram uma abordagem do argumento lógico e da inquirição filosófica que se tornaria tão dominante que a maioria de nós nem sequer tem consciência de que ela foi inventada, e acha que é apenas o modo normal de pensar sobre as coisas.

Julgamento de Paris. Ca. 465-460 a.C.,  Penthesilea. 
Foto: Marie-Lan Nguyen

Como seria de se esperar, foi na mais populosa dessas cidades-Estado - Atenas - que a luz da civilização brilhou com mais força. E foi lá que um experimento notável em vivência comunitária - a prática da democracia - efetivou-se pela primeira vez. Em 507 a.C., o chefe dos magistrados, Clístenes, decidido a limitar a influência das famílias nobres na condução da gestão pública, "firmou uma parceria com o povo". Os direitos e deveres públicos dali por diante não se baseavam mais na família ou no clã, mas na participação em uma deme, ou municipalidade, que mantinha o próprio registro de cidadãos; e elegia não só seus representantes, mas também uma proporção do conselho de quinhentos membros, que supervisionava os negócios da polis. Todo cidadão (ou seja, todo homem adulto e livre) tinha ainda o direito de comparecer - e votar - à assembleia, que se reunia na própria cidade.

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AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro, 2011. p. 92-93.

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