De 1822 a 1824, o Grão-Pará viveu dias agitados. Requisitados pela classe dominante local a participar das lutas pela independência, o povo tentou obter o controle da situação. Por exigir melhores condições de vida, Batista de Campos e a massa de homens que o seguia foram ferozmente reprimidos.
Ao final do massacre, porém, a junta governativa da província assim se pronunciou:
"Sentimos não poder afirmar que a tranquilidade está inteiramente restabelecida porque ainda temos a temer principalmente a gente de cor, pois que muitos negros e mulatos foram vistos no saque de envolta com os soldados, e os infelizes que se mataram a bordo do navio, entre outras vozes sediciosas, deram vivas ao rei do Congo, o que faz supor alguma combinação de negros e soldados." (REIS, A. C. F. In: História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, vol. 2, 1977. p. 86)
Era uma suposição, mas que na prática se confirmou. De fato, desde os primeiros movimentos de independência até a eclosão da Cabanagem em 1833, a província do Pará esteve sempre intranquila. No interior, como na capital, eram comuns as notícias de levantes populares, que contavam inclusive com a adesão da tropa insatisfeita com os baixos soldos e com as determinações do poder central e das autoridades locais.
Para se sublevar constantemente, a população tinha motivos de sobra. A economia da região consistia na exploração das chamadas drogas do sertão e da pesca.
A força de trabalho era composta por negros escravos, mestiços e índios, em sua maioria sofrendo um processo de destribalização, submetidos a um regime de semi-escravidão.
Após a abdicação, as lutas entre as facções políticas se alastraram por todo o país. Detinham o poder na região os comerciantes de Belém, que apoiavam uma política centralizadora e se identificavam com os interesses lusitanos. Os senhores de terras, que se opunham a eles, formavam um grupo numericamente pequeno e desorganizado. O resto da população era composto por escravos e pela massa de homens livres - índios e mestiços - que vivia em cabanas à beira dos rios, em condições miseráveis.
O cabano paraense, Alfredo Norfini
Convocada pelos setores liberais a participar nos movimentos de oposição às medidas centralizadoras do Governo imperial, essa população, liderada por Batista de Campos, deu às lutas uma orientação mais ampla e radical. Depôs todos os governantes nomeados pelo poder central, exigiu reformas que melhorassem suas condições materiais e a expulsão dos portugueses, tidos como responsáveis pela miséria em que viviam.
Em dezembro de 1833, Lobo de Souza conseguiu assumir o governo. Perseguindo, prendendo e deportando todos os suspeitos e implicados nos acontecimentos, Lobo acabou incentivando ainda mais as revoltas. Novos líderes populares apareciam. Os irmãos Vinagre, lavradores, e o seringueiro Eduardo Angelim agitavam o interior e a capital, reafirmando o caráter popular das lutas.
Em 1835, os cabanos, como eram chamados os revoltosos, ocupam Belém. O governo é entregue a Félix Antônio Malcher, um fazendeiro da região. Embora todos os cabanos concordassem quanto à necessidade de controlar a política centralizadora do Rio de Janeiro, uma parte deles começava a temer a feição e as proporções violentas do movimento. Foi o caso de Malcher, deposto e executado após tentar reprimir os elementos mais radicais e jurar fidelidade à regência.
Para "segundo presidente cabano" foi escolhido Francisco Vinagre, que também não foi capaz de resolver as divergências entre os cabanos. Preocupado como seu antecessor em "defender a ordem", Vinagre ajuda as tropas e navios enviados pela regência, comandados pelo almirante inglês Taylor, fazendo um acordo pelo qual os legalistas se comprometiam a pacificar a província. Derrotados, os cabanos se retiram para o interior. Conseguem, no entanto, mobilizar a população rural e, liderados por Antônio Vinagre e Angelim, retomam a capital.
Seria essa, porém, mais uma vitória temporária. Os cabanos não tinham suas reivindicações sistematizadas num programa de ação para quando chegassem ao poder. Não tinham uma teoria e um partido capazes de conduzir os ideais revolucionários. Quando assumiam o governo da província tornavam-se vulneráveis. Além do "espontaneísmo", as divisões internas do movimento acabaram por enfraquecê-lo.
Em 1836, não conseguem resistir à força militar enviada pelo Rio de Janeiro. Abandonam definitivamente a capital e lutam por mais três anos no interior, onde os aguarda um final trágico. Em 1839, ao findar a Cabanagem, dos 100.000 habitantes do grão-Pará, 40.000 haviam morrido nos incêndios, destruições e assassinatos que as forças governamentais promoveram. A Cabanagem foi o movimento mais radical de todos. O único em que a classe dominada conseguiu ocupar o poder de toda uma província, ainda que de maneira desorganizada e descontínua.
ALENCAR, Chico et al. História da sociedade
brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 142-144.
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