"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O Islã no século XX (Parte II)

Divergências entre muçulmanos e cristãos


Símbolo do Islã, produtor  

As concepções do islamismo e do cristianismo haviam se modificado. Seus modos de pensar eram semelhantes em 1900. Nessa época, as nações cristãs zelavam pela instituição da família, eram mais atentas ao uso excessivo do álcool e consideravam o domingo um dia sagrado. Sua atitude em relação às mulheres era mais parecida com a atitude dos islâmicos do que é hoje. Os crimes mais graves eram vistos com mais severidade e frequentemente punidos com a morte. O domingo em Iowa tinha muito em comum com a sexta-feira no Cairo.

Nos cem anos que se seguiram, as nações cristãs se tornaram mais seculares. O modo de vida norte-americano fazia propaganda do álcool e das drogas, além de tolerar aventuras sexuais e a rebeldia dos jovens. Os muçulmanos mais devotos rejeitavam o espírito mercantilista, o consumismo e a moral frouxa que o Ocidente ostentava através da televisão, dos filmes de Hollywood e do estilo de vida das estrelas pop internacionais. O Islã deplorava as rápidas mudanças do Ocidente, e o Ocidente deplorava a lentidão das mudanças no Islã. O Ocidente lamentava a falta de liberdades pessoais do Islã, e o Islã lamentava o que o Ocidente havia feito com a própria liberdade.

Nas décadas seguintes, o Islã vicejou, Hábil em conservar seus fiéis, empenhava-se em atrair mais partidários. As crianças muçulmanas abraçavam a religião dos pais - e as famílias costumavam ser numerosas. Em 1893, os muçulmanos representavam cerca de 12% da população global; exatamente um século mais tarde, esse índice havia chegado aos 18%. Era a segunda religião em número de fiéis, maior que o número de hinduístas e budistas somados. Os cristãos ainda eram mais numerosos, com um terço da população do planeta, mas sua liderança estava sob ameaça.

A resistência do Islã em seus países tradicionais foi ajudada pelo êxito alcançado em outras terras. Os muçulmanos espalharam sua fé por meio de movimentos migratórios. Em 1900, os viajantes que visitavam as cidades em efervescência - Paris, Chicago, Buenos Aires ou Dunedin - encontravam sinagogas com facilidade, mas nenhuma mesquita. Nos Estados Unidos, os muçulmanos eram raros, mas, no final do século, sua população crescia mais rapidamente que a dos judeus. Ao mesmo tempo, em várias cidades inglesas, as mesquitas atraíam tantos fiéis quanto as igrejas cristãs. Em Paris, enquanto as igrejas católicas permaneciam em silêncio, as mesquitas estavam lotadas.

A grande maioria dos muçulmanos vivia de maneira virtuosa e convivia pacificamente com outros credos. Mas em algumas regiões do Islã o zelo religioso excessivo voltava-se para a militância política. No Irã, milhões de muçulmanos rejeitavam o próprio xá e esperavam sua queda. Seu ansioso oponente era Ruhollah Khomeini, o barbudo que ficou conhecido como aiatolá, palavra cujo significado é sinal de Deus. Khomeini fez todas as suas pregações em segurança - durante a década de 1960, no Iraque e, no final da década de 1970, na França. Depois da deposição do xá, em janeiro de 1979, e de sua ida para o exílio, o aiatolá retornou ao país, criando uma república teocrática na qual a pena de morte era largamente empregada em vários casos de dissidência política e religiosa, bem como de crimes comuns.

Com seu fervor e eloquência, ele reunia grandes multidões a céu aberto. Denunciou os Estados Unidos como "o grande satã". Reagindo ao estímulo de seu líder, fanáticos iranianos sequestraram 66 norte-americanos que viviam no país, mantendo quase todos como reféns por mais de um ano. Aproveitando os distúrbios, o vizinho Saddam Hussein, do Iraque, invadiu o Irã. Essa guerra entre as duas potências islâmicas, uma sunita e outra xiita, foi considerada uma das cinco mais mortais de todos os tempos.

Próximo post: O Islã no século XX (Parte III): Fervor e petróleo no deserto

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 294-295 e 297.

Nenhum comentário:

Postar um comentário