Cruzados atacam Constantinopla em 1204, artista desconhecido
[Em Bizâncio, o brilho da
civilização urbana mascara o enfraquecimento político] Em 1025, por ocasião da
morte de Basílio II, o Império Bizantino estava em seu apogeu. Cobria toda a
Ásia Menor até a Armênia, o norte da Mesopotâmia e da Síria, Chipre, Creta, os
Bálcãs, com todas as regiões compreendidas ao sul do Danúbio até Trieste e uma
parte da Itália do Sul. Sua defesa era assegurada pelo exército (de soldados
profissionais) da capital, reforçada pelos das diversas thémas, ou regiões. Sobre esse imenso conjunto reinava o imperador,
o basileu, herdeiro direto dos
imperadores romanos. O imperador bizantino era a lei encarnada, o eleito de
Deus, o intermediário entre Deus e os homens, o agente supremo da justiça sobre
a terra. Na prática, ele era tão poderoso quanto as condições da época o
permitiam. A Administração formava uma rede que buscava circunscrever toda a
sociedade do império. Na verdade, se desincumbia mal dessa tarefa, pois o império
era muito vasto e os deslocamentos eram lentos.
As cidades renasceram a partir da
metade do século IX e a capital, Constantinopla, excepcional em todos os
sentidos, se aproximava do meio milhão de habitantes, ou seja, a metade de
Bagdá. Distinguia-se pelo esplendor de seus monumentos: igrejas, palácios,
residências suntuosas, muralhas do século V que desafiaram os invasores. Centro
de cultura, a “Cidade” era também o centro econômico e social do império.
Graças a seus comerciantes, estava na encruzilhada do mundo medieval, tanto
pelos laços estabelecidos com o Islã como com o Ocidente bárbaro e com as
planícies da Rússia.
[Inteiramente dedicado à sua
prosperidade econômica, o império se põe, pela primeira vez em sua existência,
em estado de paz] A aristocracia militar e rural via seu poder enfraquecido
pela ascensão de novas classes sociais. Os imperadores renunciaram às
conquistas, dissolveram os exércitos das thémas
e deram acesso às funções imperiais e às dignidades a homens originários da
burguesia rica da cidade, formados nas universidades. Enquanto isso,
acontecimentos externos virão oferecer à aristocracia a oportunidade de um
retorno ao poder. Invasores se apresentaram nas fronteiras: normandos da Itália
do Sul a oeste, turcomanos a leste. Os turcos desfecharam invasões por toda a
Ásia Menor até o mar de Mármara e ali se instalaram.
Em 1081, Aleixo I Comneno,
oriundo de uma grande família da Ásia, tomou o poder e reagiu contra a política
de seus predecessores, afastando a burguesia responsável pelas atividades
comerciais e financeiras. Para reconquistar os territórios perdidos, ele pediu
soldados ao papa. Em seu espírito, este pedido não comportava nenhuma
ambiguidade: era uma questão de obter mercenários, não de requisitar a
intervenção de exércitos ocidentais.
[Apesar de separados pela
religião, os bizantinos sentiam-se mais próximos dos muçulmanos do que dos
ocidentais] No princípio do século X, o patriarca Nicolas Mystikos escreveu a
um emir muçulmano que existiam duas soberanias: “a dos sarracenos e a dos
romanos que inundam com sua luz o conjunto da Terra. Portanto, é preciso viver
em comunidade e em fraternidade com ambas; não é porque sejam separadas por
modos de vida, costumes e religião que devem ser hostis uma com a outra.” Ao
longo das guerras e por meio do comércio em tempos de paz, bizantinos e
muçulmanos criaram laços e aprenderam a se conhecer. Com relação aos
ocidentais, entretanto, os bizantinos nutriam sentimentos de condescendência,
desprezo e desconfiança. Essa diferença de mentalidades se traduzia no domínio
religioso. Em 1055, os legados do papa excomungam o patriarca Miguel Cerulário.
A excomunhão não dizia respeito à Igreja ortodoxa, somente à pessoa do
patriarca. Para justificar a tomada de Constantinopla pelos cruzados em 1204, o
papado transformaria, a posteriori,
este incidente em cisma. Porém, mais grave que este acontecimento simbólico,
uma mentalidade carregada de mal-entendidos opunha bizantinos e ocidentais.
TATE, Georges. O Oriente das Cruzadas. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2008. p. 24-27.
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