No último dia de permanência no porto britânico, o mesmo oficial de recrutamento veio pela terceira vez a bordo do navio, quando o imediato chamou quatro ou cinco passageiros pelo nome e disse-lhes na presença do capitão, que eles deviam ser soldados e que deveriam ir com o oficial. Eles responderam que não tinham a intenção de ser soldados, que desejavam tão-somente ir para a América. Em consequência, o capitão e o imediato agarraram um dos "passageiros", de nome Samuel Vogel, e o arremessaram dentro do bote pertencente ao oficial de recrutamento, o qual estava ao lado do navio. Entretanto, Vogel retornou para bordo do navio, desceu (às cabinas) e escondeu-se, mas foi de novo compelido a voltar atrás com suas roupas, quando o oficial de recrutamento viu-o corar, declarou que ele não precisaria vir com ele e deixou o navio, comentando que não teria vindo a bordo se o capitão não o tivesse pressionado, no dia anterior. O capitão ficou muito alterado com esses homens que rejeitaram o recrutamento e declarou que eles não teriam nada para comer a bordo, que podiam morrer de fome e ordenou que um deles fosse açoitado pela recusa, o que foi executado da maneira mais cruel.
[...] a totalidade dos passageiros, ainda no porto inglês, acusou o capitão de que o tratamento que os homens haviam sofrido não estava de acordo com o combinado (no porto de saída) em Tönningen. O capitão respondeu que eles não estavam mais em Tönningen nem na América, mas na Inglaterra.
Imigrante italiana.
Foto de passaporte. Itália, década de 1920. Museu da Imigração.
Reiniciaram a viagem e depois de quatorze dias o capitão informou que nada mais havia para comer exceto pão e carne. Depois disso, cada pessoa recebeu dois biscoitos, uma caneca de água e a oitava parte de uma libra de carne por dia (aproximadamente 50 g). Essas normas continuaram por duas ou três semanas, quando os passageiros declararam que não poderiam subsistir por mais tempo com a quantidade ínfima que recebiam. Com isso, sem dúvida iriam definhar. A fome e a sede até aquele momento eram grandes, e as crianças choravam continuamente por pão e água. Ante tal situação, alguns homens decidiram procurar pão e arrombaram a despensa, de onde tiraram um pouco. Descobertos pelo capitão e como entre eles estavam alguns daqueles que haviam se recusado a recrutar-se e haviam desobedecido às ordens, foram amarrados e receberam vigorosas chicotadas nas costas. Todos os passageiros foram punidos. Os homens deixaram de receber pão, e as mulheres passaram a receber apenas um biscoito.
Essa punição continuou por nove dias, quando os homens tiveram novamente permissão para receber um biscoito por dia. Entretanto o capitão rapidamente anunciou um dia de jejum compulsório. As condições tornaram-se terríveis, tanto que aquelas cinco pessoas e mais vinte (homens, mulheres e crianças) padeciam extremamente pela necessidade do mínimo para viver, que seria, em último caso, pão. Em pouco tempo, ficaram reduzidos a dez. As crianças remanescentes ficavam estáticas junto ao seio de suas mães. A fome era tão grande a bordo que sofregamente procuravam ossos, estilhaçavam-nos com um martelo e comiam-nos. Porém o mais lamentável era que algumas pessoas já próximas da morte arrastavam-se até o capitão e imploravam pelo "amor de Deus" que lhes desse um pedacinho de pão e um gole de água para que ao menos se mantivessem em inanição. Mas suas súplicas eram em vão, o capitão mais obstinadamente negava e, assim, eles morriam. O choro das crianças por pão era, como foi informado, tão grande, que seria impossível a um homem descrevê-lo
GEYER JR., Andreas. "Letter to the German Society of Philadelphia". In: RAPP, Friedrich. Immigration and the Comissioners of Immigration. New York, 1870. p. 183-5. Apud HANDLIN, Oscar. Immigration as a factor in American History. New Jersey: Prentice Hall, inc. Englewood Cliffs, 1959.
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