Retrato de família. Artista desconhecido, século XVII
Como o Cristianismo na Europa e o Islã no oeste da Ásia, o
Confucionismo modelou profundamente a vida familiar na China e por todo o leste
da Ásia. Nascido em uma era de desordem social e política no século VI a.C., o
pensador conhecido no ocidente como Confúcio considerou a família como o
alicerce da sociedade. Ele encorajou as famílias a venerarem seus ancestrais,
de forma que a realização de ritos ancestrais tornou-se uma atividade
importante da família confucionista. Cada geração era obrigada a produzir
herdeiros masculinos de forma que as gerações sucessoras pudessem continuar
honrando seus ancestrais.
O Estado e a sociedade foram modelados sobre a família. O
imperador deveria tratar seus súditos como um pai trata seu filho, e
vice-versa. A virtude da piedade filial caracteriza idealmente essa relação: o
pai tem a autoridade absoluta dentro da família e a obediência absoluta era
exigida do filho. Além da relação entre imperador e súdito, a relação
pai-filho, entre o irmão mais velho e o mais novo e entre marido e esposa,
estavam entre as cinco relações humanas fundamentais (a quinta era entre
amigos). Certos aspectos dessas relações, como descritas por Confúcio, são
aparentes: o domínio da idade sobre a juventude e do homem sobre a mulher. Idade
e gênero determinaram a hierarquia dentro da família. As mulheres, não
importando a idade que tivessem, não podiam escapar da autoridade do homem. Como
filhas, elas eram dependentes e subordinadas aos seus pais; como esposas, a
seus maridos; como viúvas, a seus filhos.
Uma senhora da dinastia Ming. Artista desconhecido
Uma das mais influentes intérpretes dos ideais
confucionistas, no que diz respeito ao papel das mulheres na família, foi Ban
Zhao (45-115 d.C.), a filha de uma famosa família de intelectuais da época e
uma notável estudiosa. Ela compilou as lições
para mulheres, um tratado a respeito de princípios éticos e morais pelos
quais uma mulher deveria pautar sua vida. Esse trabalho também fornecia um guia
para as preocupações práticas da vida cotidiana para filhas, esposas e mães. Alguns
títulos de capítulos desse trabalho sugerem os temas de Ban Zhao: humildade,
respeito, cautela, devoção, obediência e harmonia. Ela incentivava as mulheres
a reverenciar, respeitar e dar a preferência aos outros. Entre outras coisas,
ela abordou o papel da mulher e do homem dentro da família: “Se uma esposa não
serve seu marido, a própria relação entre homem e mulher, bem como a ordem
natural das coisas foi negligenciada e destruída.”
Além os comportamentos prescritos, sobre os quais se
escreveu em textos clássicos, sabemos relativamente pouco, a partir de
fontes-padrão, sobre os detalhes íntimos da vida familiar ou sobre a operação
prática de um ambiente doméstico no começo da China Imperial de quase todo o
primeiro milênio da Era Cristã. [...]
Por volta de 1000 d.C., começamos a ter muito mais
documentação disponível para reconstruir a família e o lar chinês; recursos
literários, especialmente poesia, fornecem perspectivas pessoais e privadas que
em muito melhoram aquilo que podemos aprender por meio de recursos oficiais. Recursos
literários podem abrir um tipo diferente de janela para a vida familiar do
passado, documentando dimensões emocionais e psicológicas das relações
familiares e sugerindo como os ideais do Estado eram vividos na prática. [...]
Tao Gu apresenta um poema (detalhe), ca. 1515. Tang Yin. Dinastia Ming.
Um laço emocional e intelectual profundo existiu entre uma
poetisa chamada Li Qingzhao (1084? – 1151) e seu marido. Como outras mulheres
de seu tempo, ela se casou jovem, aos 16 ou 17 anos. Após a morte do marido ela
escreveu uma tocante memória de seu casamento como uma parceria intelectual íntima.
Li Qingzhao e seu marido viveram em uma era na qual os laços de casamento
frequentemente eram usados como estratégia para aumentar o status político, social e econômico da família. A riqueza era um
fator importante, mas ainda mais importante era o status adquirido por aquele que passava nos exames do serviço
imperial civil. Por exemplo, uma rica família sem filhos homens poderia casar
sua filha com o filho de uma família relativamente pobre que houvesse passado
nos exames e, assim, aumentavam tanto seu poder quanto sua riqueza. [...]
O casamento era o meio mais simples de aumentar o status social ou econômico, e as famílias
eram mais do que unidades para a produção de candidatos aos exames ou filhas
casadoiras. Casamento e vida familiar refletiam uma complexidade de noções
sobre o papel e a posição da mulher e de suas relações com o homem, e criavam laços
emocionais complicados que eram frequentemente negados ou frustrados pelos
costumes e práticas sociais. [...] Genealogias familiares ao fim da China
Imperial (1300-1800) algumas vezes incluíam instruções sobre o que vestir, o
que comer, quais ocupações eram aceitáveis, alertava aos descendentes para
honrar seus ancestrais com os ritos adequados e a não gastar sua herança. Dessa
forma, as memórias da vida familiar serviram como impressões para gerações
futuras decifrarem e ordenarem seu próprio mundo.
GOUCHER, Candice; WALTON, Linda. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto Alegre:
Penso, 2011. p. 146-148.
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