"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 11 de julho de 2013

1848, "a primavera das nações"

Eleições presidenciais na França, 1848: dois meninos lutam, um por Luís Napoleão e outro por Cavainag. Zeitung

Texto 1. [...] apesar de todas as restrições [...], das revoltas e conspirações em alguns países, a verdade é que com a deposição final de Napoleão em 1815 houve um progresso verdadeiro na Europa rumo a governos mais liberais e constitucionais, ainda que restrito a uns poucos países. Então, em 1848, os favoráveis ao progresso experimentaram por toda parte um tremendo surto de animação, quando uma onde de revoluções por toda a Europa continental de repente elevou-lhes a esperança a um ponto jamais alcançado e que abalou todos os governos entre os Pirineus e o Rio Vístula.

Ainda se debate muito por que isso aconteceu. Um ou dois fatos são claros. A década de 1840 fora um conjunto de anos ruins para a economia europeia. Uma depressão nos negócios lançou no desemprego muitos habitantes das cidades. Colheitas fracassadas e mau tempo em alguns países produziram escassez de gêneros e quase fome de 1846 em diante. Mas estas explicações gerais não levam muito longe. O certo é que, uma vez iniciado o ano revolucionário de 1848, um sucesso revolucionário facilitou o outro – era uma espécie de reação em cadeia.

A primeira revolução daquele ano aconteceu na Sicília devido a um problema local: o governo da ilha a partir de Nápoles. Logo teve amplas repercussões fora da Itália; no entanto a revolução que efetivamente importou aconteceu no mês seguinte, fevereiro, em Paris. Em 1789, a Revolução na França eventualmente envolvera toda a Europa na guerra, e mesmo a revolução de “julho” de 1830 atingira pessoas em outros países. Como alguém disse, “quando Paris espirra, a Europa fica resfriada”. Assim, por toda parte a leste do Reno e do sul dos Alpes, a Revolução Francesa foi sentida como um choque e uma inspiração. Estouraram revoluções por toda a Alemanha, caíram ministros e Constituições foram reconhecidas. Em março aconteceram as maiores revoltas: revoluções em Viena e em Berlim, capitais dos principais Estados da Alemanha. A primeira afastou para o exílio o chanceler Habsburgo, Conde de Metternich, homem amplamente considerado como o pilar do sistema conservador da Santa Aliança. Outras revoluções aconteceram em outras partes do império Habsburgo: na Itália, na Hungria, na Croácia e na Boêmia. Mais chocante ainda foi uma segunda grande revolta popular que aconteceu em Paris em junho. Contudo, foi barbaramente esmagada em uma semana de luta nas ruas, não por um rei, mas pela nova república francesa. Era o início de uma reviravolta na situação. No fim de 1849, à exceção da França, onde a nova república sobreviveu, e de alguns Estados italianos que mantinham as Constituições outorgadas pelos seus governantes durante as lutas, muito pouco parece ter sido conseguido. Aos poucos as forças conservadoras reconquistaram o controle. Com a ajuda do exército russo (pois a Rússia permanecera inabalada e sem problemas durante o ano da Revolução) até mesmo os rebeldes do império Habsburgo foram vencidos. O Papa voltou para Roma.


Barricada em Marzstrasse, Viena, Edouard Ritter

Contudo, a história não se resumiu ao triunfo da reação. Em termos gerais, as demandas das várias revoluções de 1848 foram de três tipos. Na Europa Oriental, os camponeses se rebelaram para pedir a abolição das taxas compulsórias e dos direitos feudais dos senhores de terras. Buscavam o que os franceses haviam conseguido em 1789 e que haviam trazido para algumas partes da Alemanha, a exemplo da Revolução Francesa. No império Habsburgo, a Alemanha e grande parte da Polônia em 1848 acabaram com o feudalismo e a servidão, e isto foi um enorme avanço. Naquilo que a maioria dos europeus instruídos teria considerado como o “mundo civilizado”, a mão-de-obra escrava só era encontrada na Rússia e nas Américas.

Em 1848, o segundo tipo de demanda era, no conjunto, a dos liberais, intelectuais e profissionais da classe média que queriam um governo mais constitucional e representativo, e mais empregos na folha de pagamento pública, à custa das velhas aristocracias. Na maior parte, tiveram menos sucesso do que os camponeses em conseguir o que queriam. As razões para isto são complicadas e variam de lugar para lugar, mas uma delas foi que a Revolução efetivamente começou a tomar corpo, e parecia ameaçar as bases da sociedade e da propriedade (como pareceu acontecer numa revolta “socialista” como a dos “dias de junho” em Paris), os revolucionários liberais concluíram que tinham ido longe demais. Muitas vezes reuniram às forças da ordem, ou seja, à velha ordem de reis e príncipes que recuperaram o ânimo e usavam os seus exércitos para restabelecer o poder. Contudo, algumas melhorias constitucionais sobreviveram na Alemanha depois de 1848. A opressão plena da era Metternich não foi restaurada.

Os reformadores liberais e constitucionais também fracassaram porque estavam divididos em outro assunto: a terceira demanda revolucionária de 1848. Aquele ano foi chamado de “a primavera das nações”, porque muitas revoluções foram realizadas em nome de povos que procuravam governar a si mesmos, em vez de serem governados por outros; em particular, húngaros e italianos tentavam se livrar dos oficiais austríacos. Infelizmente, muitos patriotas que lutaram pelos seus povos em 1848 desejavam, por isso mesmo, lutar contra outros povos pelos quais se sentiam ameaçados, e alguns dos seus descendentes continuaram a fazer isso desde então.
ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 526-529.

Texto 2. O sonho de uma sociedade harmoniosa, de um reino da perfectibilidade humana, presente nas utopias românticas [...] embalou o sono de filósofos, artistas, escritores e pensadores diversos, pelo menos até o convergente e tormentoso momento das revoluções de 1848. [...] Rompendo com os liames dinásticos e com as regras de direito divino que uniam as monarquias europeias, 1848 marcou também o fim da política da 'tradição'. Os trabalhadores pobres, sobretudo parisienses, irromperam na cena histórica, quer sob a forma de motins de ebulição [...]. ou erguendo as barricadas [...]. Da mesma forma, as manifestações camponesas, que ocorreram difusamente em vários países, ou outros movimentos de coloração diversa, e abrangendo todo o espectro social, mostravam, enfim, o autêntico mosaico de ideologias e projetos sociais presentes nos movimentos de 1848. SALIBA, Elias Thomé. As utopias românticas. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 90.
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Texto 3. [...] 1848 não foi meramente um breve episódio histórico sem consequências. Se as mudanças que 1848 realizou não foram nem as que os revolucionários pretenderam, nem mesmo facilmente definíveis em termos de regimes políticos, leis e instituições, elas foram mesmo assim profundas. [...] Dali em diante, as forças do conservadorismo, do privilégio e da riqueza teriam que defender-se de outras formas. [...] Os defensores da ordem social precisaram aprender a política do povo. Esta foi a maior inovação trazida pelas revoluções de 1848. HOBSBAWM, Eric. A era do capital, 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 48.

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