1. A Fenícia do século XX ao V - A situação do litoral sírio destinava-se a assistir a todas as invasões que desciam em direção ao sul, a servir incessantemente de campo de batalha, a sofrer as influências, sucessivas ou simultâneas, do Egito, da Ásia, dos egeus e sobretudo de Chipre, tão profundas que é praticamente impossível distinguir entre as produções da ilha e as da própria Fenícia, preferindo-se agrupá-las sob o nome de arte "ciprio-fenícia".
Até o início do segundo milênio, a influência egípcia predomina, e Biblos¹ continua a ser a primeira cidade da Fenícia, apesar do desenvolvimento de Tiro (Sur), Sídon (Saida), Aradus (Ruad), Trípoli, Berite (Beirute) e Ugarit. A da Ásia vem suplantá-la no momento das invasões, mas, ao expulsar os hicsos por volta de 1580, os faraós ocupam de novo a Fenícia com governadores e guarnições. (Nesse momento, as cidades sírias se dividem em dois grupos: o do norte, dominado por Sídon e que detesta o Egito, e o do sul, com Tiro, que lhe permanece fiel.) Em seguida, os Povos do Mar descem por sua vez, e os filisteus apoderam-se de Sídon e Tiro entre 1100 e 1090.
¹ Templo dos obeliscos, Biblos
Rapidamente reconstruídas, as cidades sírias conhecem, entre o século XII, que as liberta da influência egípcia, e o momento em que a Assíria se torna ameaçadora, um período de grande prosperidade. Tiro detém então a hegemonia (1000-500 aprox.) e realiza em seu proveito a unidade fenícia, opondo-se ciosamente ao estabelecimento de colônias gregas ou de feitorias egípcias. No interior, graças a hábeis concessões a povos mais fortes que eles, os fenícios instalam-se nas cidades onde chegam as caravanas do Oriente - Hamah, Damasco, Tapsaco, Nisídis -, e então, entre o mar e a Mesopotâmia, quase todas as trocas passam por eles.
São estabelecidas relações contínuas entre a Fenícia e o reino de Israel, principalmente sob os governos de Davi e Salomão. Hirão I, rei de Tiro (970-936), abate os mais belos cedros do Líbano e envia-os a Salomão juntamente com seus melhores operários para construir o templo de Jerusalém. É ainda ele quem fornece a Salomão os navios e as tripulações para sua expedição a Ofir. Os dois soberanos trocam cartas, e mesmo enigmas e rébus, onde provam um ao outro sua agudeza e requinte. No século seguinte, Jezabel, princesa tíria, desposa o rei de Israel, Acab (874-853), e sua filha Atalia, o rei de Judá, Jorão. Inteligentes e cultas, ambas contribuem para a penetração da influência fenícia em Israel e levam consigo seus deuses tírios. Em compensação, parece que a influência dos hebreus sobre os fenícios foi extremamente fraca, enquanto os últimos muito devem aos egípcios e aos asiáticos. Os israelitas - entre os quais se constituía o monoteísmo espiritualista, que permanece absolutamente único nos tempos antigos -, considerando-se o povo eleito, tinham tanta repugnância em difundir seu culto fora da Judéia quanto em introduzir no país os deuses estrangeiros.
Mas eis que uma nova potência, a Assíria, se empenha em estender-se na direção do mar. As expedições de Teglat Falasar (1196-1090) e, depois, de Salmanassar III, em 853, inquietaram Tiro e Sídon, que oferecem tributos. O que, aliás, não os impede de serem subjugados um pouco mais tarde; mas, sob o domínio assírio, as revoltas multiplicam-se - não raro estimuladas pelo Egito, que promete seu apoio e se omite na última hora - e são duramente reprimidas. Tiro é tomada e destruída em 702 e posteriormente em 672; Sídon, por sua vez, é tomada e arrasada em 678. Quando da queda do império assírio (612), o Egito restabelece seu domínio na Síria, mas Nabucodonosor, rei da Babilônia, triunfa em 588 sobre o Egito, a Fenícia e a Judéia e apodera-se de Tiro em 574, após um sítio de treze anos. Quando, por sua vez, a Babilônia cai, a Fenícia passa às mãos dos persas e torna-se uma satrapia; conserva, porém, uma certa independência e recusa emprestar uma frota a Cambises contra Cartago, mas essa mesma frota distingue-se em Salamina ao lado dos persas. Os fenícios, com efeito, nunca simpatizaram com os helenos e, sob o domínio persa, passam definitivamente para o lado do Oriente.
2. A expansão fenícia - No fim do segundo milênio, apesar da superioridade marítima dos egeus e de suas colônias nas costas da Anatólia, de onde alcançam facilmente os povos orientais pela rota do sul e pela Via Real, os fenícios estabelecem-se por toda parte onde é possível. Possuem em Mênfis uma feitoria, o "campo dos tírios". Ocupam, em Chipre, as cidades de Kition, Idálion, Lápetos e Amatonte, junto às jazidas de cobre ou na costa; suas ambições aí, porém, são incessantemente contrariadas pelas dos gregos, egípcios e assírios. Em Rodes, eles estabelecem-se em Ialisisos e Camiros, de onde os dórios e os cários os expulsam. Nas Cíclades e nas Espórades, deparam com a mesma concorrência e tomam consciência de que precisam procurar um campo de ação mais vasto e mais livre.
É então que o Mediterrâneo ocidental, que os progressos da navegação lhes permitem afrontar, se oferece a eles. Costeando o litoral da África, onde, desde o século XII, negociam com as caravanas do Sudão, fundam por volta de 1100 a cidade de Utica, na desembocadura do Medjerda; atingem Gibraltar e a famosa Tartesso (Társis, em fenício), perto da qual edificam Gadés (Cádiz), defronte de Lixos (El Arish), na costa da África, entre os séculos X e VIII. Em 814, diz a tradição, Elissa, rainha de Tiro, destronada por seu irmão Pigmalião, dirigiu-se à África sob o nome de Dido (a fugitiva) e fundou, não longe de Utica, a "cidade nova", Karthadast, a futura Cartago. Esta permaneceu durante muito tempo como simples colônia de Tiro, a quem pagou tributo até 574, mas, a partir do século VII, sua riqueza cintila nos túmulos da necrópole de Dermeche: jóias de ouro, bibelôs egípcios, vasos etruscos e coríntios. A própria cidade era célebre por seu duplo porto e suas poderosas muralhas, dominadas pela acrópole, erigida sobre a colina de Birsa.
A fundação de Cartago, na orla da rica planície tunisiana, encerra o período de tranquilidade na expansão fenícia. No século VIII, aparecem os etruscos e os gregos. Se os fenícios continuam a ser até certo ponto os senhores na costa da África, com Hadrumeto (Susse), Hippo Diarhytus (Bizerta), Hippo Regius (Bone)..., e na Espanha, fundam com dificuldade na Sicília Panormos (Palermo), Soloeis (Solonte) e Motia, no largo de Libeleu, pois os gregos ocupam as regiões mais férteis, a leste e ao sul. Possuem, na Sardenha, Nora, Sulcis, Cáralis (Cagliari) e as ilhas de Malta, Gaulos (Gozzo) e Pantelária; mas as costas do mar Tirreno, da Ligúria e de Provença lhes são praticamente proibidas.
No começo do século VI, a expansão dos foceus e de Marselha rumo às costas da Espanha, a tomada de Tiro em 574 e a conquista persa colocam as cidades fenícias do Ocidente em situação crítica. É então que Cartago, livre de sua metrópole, procura criar um império marítimo. Após um fracasso em 560, apodera-se em 509 da Sardenha, submete ou repele os indígenas e expulsa os colonos gregos e etruscos. Para o oeste, sua frota, com a ajuda dos etruscos, vence os foceus em Alalia (Aleria), na Córsega (535), destrói a fociana Mainaké para edificar Málaga, assenhoreia-se às Colunas de Hércules e provavelmente arruína a própria Társis por volta de 500. Na África e na Sicília, Cartago domina pouco a pouco todos os estabelecimentos fenícios: repele Dorieus de Esparta, que tentava estabelecer-se no golfo de Sirtes, na embocadura do Cínips, e funda nesse local Leptis Magna (Lebda). Mas, em 480, os cartagineses sofrem em Hímera, na Sicília, uma pesada derrota que arruína por um século suas ambições na ilha. Por fim, no curso do século V, as expedições de Himílcon ao longo da orla do oceano até Uessant, e de Hannon até o golfo da Guiné, superam os mais ousados navegadores da época.
3. A civilização fenícia - Tantas influências se mesclaram na Fenícia que é difícil falar de uma civilização fenícia, se por tal se entende um conjunto de crenças, costumes e elementos artísticos peculiares a um determinado povo.
Esse caráter compósito e essa falta de originalidade são visíveis já no segundo milênio. Em Biblos, um túmulo continha um harpé de bronze, arma puramente babilônica, incrustada de motivos egípcios em ouro. Uma taça de metal apresenta-se ornada com a espiral egéia. Uma grande jarra encerrava escaravelhos hicsos, dois cilindros da Capadócia, jóias de estilo muito variado, entre outras, um pingente redondo decorado a serrilha, segundo um processo que parece originário da Mesopotâmia. A arquitetura, depois de imitar os templos egípcios, inspirou-se nos túmulos micênicos em Ugarit (século XIV).
Lugar à parte merece o belo sarcófago do rei Ahiram² de Tiro (século XIII). A cuba maciça repousa sobre quatro leões deitados, muito orientalizantes, mas está ornada, em baixo-relevo, com cenas de oferenda ao rei, carpideiras e um friso de lótus de estilo egípcio. [...] Essa obra, associada à arte sírio-hitita, é de um vigor e de um sentimento artístico infelizmente raros na Fenícia.
A arquitetura, nos séculos seguintes, busca o colossal: diques do porto de Tiro, muralhas de Cartago, baluarte ciclópico apoiado à montanha, perto de Sídon, onde se eleva o templo de Eshmun. O próprio santuário não passa de uma capela ornada de motivos muito compósitos: palmeiras, protomes de touros, esfinges e grifos, mais cipriotas que egípcios ou assírios. Mas é sobretudo a propósito do metal e da cerâmica que se pode falar de arte cíprio-fenícia. Distinguem-se aí elementos heteróclitos - egeus, asiáticos e egípcios -, constituindo porém um repertório característico de formas e motivos amplamente difundido.
Até o século XII, aproximadamente, os vasos cipriotas, de inspiração micênica, ornados de motivos repletos de quadrículos pretos sobre fundo branco, e às vezes de uma decoração animal ou vegetal muito estilizada, são muito distintos dos jarros, dos pequenos bilbils de gargalo deseixado e dos vasos querenados, sem decoração pintada, fabricados na Síria. A seguir, as formas e os ornamentos de Chipre penetram na Fenícia e unem-se a motivos orientais, como o dos touros justapostos.
Em compensação, desde o século XV, os magníficos vasos fenícios de metal cinzelado ou em relevo, encontrados em Biblos e Ugarit, igualam-se aos mais belos produtos cipriotas. As pateres são taças pouco profundas em bronze, ou em prata, por vezes douradas, que se encontram, a partir do século VIII, na Fenícia, em Chipre, na Assíria, na Grécia e na Itália. A decoração, formada de um motivo central e de zonas circulares concêntricas, é muito compósita: heróis lutando contra cães de caça, faraó em combate, trajes assírios, lótus do Egito e palmetas sírio-fenícias... Algumas das mais belas peças foram provavelmente executadas em Chipre, mas a maioria é constituída por obras de oficinas fenícias, exportadas para todas as partes.
A mesma inspiração compósita manifesta-se nos sinetes, nas pedra gravadas, nos marfins esculpidos, nas jóias de ouro ou de prata cinzelada, estampada, filigranada, nos pesados colares em pasta de vidro, todo um aparato luxuoso e vistoso que se encontra por todo o Mediterrâneo e até nos ombros da Dama de Elche, na Espanha.
A religião fenícia deve muito aos mitos da Caldéia e ao Egito, que erigiu no terceiro milênio um templo em Biblos. Os deuses fenícios são chamados Baal e Baalat, "senhor" e "senhora", porque é proibido pronunciar seus verdadeiros nomes. O Baal de Tiro, frequentemente assimilado a Héracles, chama-se também Melquart; a Baalat de Biblos, Ashtoret (Astartéia em grego), forma um casal divino com Adônis, deus da vegetação, cuja morte ela chora todos os anos, quando as águas da torrente Adônis (Nahs Ibrahim) se tingem de vermelho devido à argila arrastada pelas enchentes. Cartago venera Astartéia sob o nome de Tanit, um Baal Hammon frequentemente confundido com o Amon egípcio, e o deus Eshmun, que lembra Asclépio. A religião fenícia destaca-se por um aspecto rude e cruel, conservado durante muito tempo: os sacrifícios humanos foram regularmente praticados e não se podem negar as oferendas de crianças ao Molok de Cartago.
Cúpido, ávido de lucros, não raro velhaco, esse povo só tinha uma lei: a do lucro; uma autoridade: a do dinheiro. O poder pertence teoricamente a dois sufetas, como em Cartago, mas, na realidade, está nas mãos de magistrados recrutados nas famílias de armadores e de grandes negociantes; a dos Magônidas, em Cartago, deteve por muito tempo os cargos mais importantes da cidade. Tirânica e desconfiada, essa aristocracia busca antes de mais nada o enriquecimento: as feitorias e as colônias não passam de fontes de rendas e pagam tributos opressivos à metrópole; os estrangeiros são submetidos a taxas e direitos de todo tipo; os indígenas, explorados sem escrúpulos, cultivam as terras na qualidade de servos; o exército, pouco estimado, é composto de mercenários, com os quais a cidade entra frequentemente em conflito: em Hímera, combateram por Cartago líbios, iberos, sardos, corsos e lígures.
As riquezas assim defendidas vêm da agricultura, da indústria e sobretudo do comércio. A estreita planície da Fenícia possui vinhas, pomares carregados de frutas, espigas de trigo, "mais abundantes que os grãos de areia nas praias". Acrescentam-se a isso a criação e a exploração das florestas. Na Tunísia e na Sardenha, as culturas de cereais são muito desenvolvidas graças à mão-de-obra indígena; os próprios romanos traduziram um célebre tratado de agricultura de Magon.
A indústria orienta-se principalmente para o comércio e a exportação: construções navais, tecelagem do linho e da lã, fabricação de púrpura, trabalho do couro, cerâmica e trabalho do metal cinzelado, martelado ou fundido; indústria do vidro, que se inspirou no Egito, mas foi aperfeiçoada: vidro opaco, vidro tingido ou colorido na massa, pérolas e pedras de imitação; trabalho do marfim ou do ouro, ourivesaria e joalheria, fabricação de perfumes...
Esses produtos variados e muito admirados são distribuídos em toda parte pelos mercadores. A Ilíada cita o véu bordado que Hécuba oferece à deusa protetora de Tróia e o vaso cinzelado que Aquiles ganha nos jogos em homenagem a Pátroclo como obras fenícias. Esse comércio é feito por terra através de toda a Ásia Menor e por mar na orla do Mediterrâneo. Os fenícios vão buscar longe as matérias-primas ou os produtos exóticos: trigo da Sicília, da Sardenha ou do Magreb, metais da Espanha, da Etrúria ou do Cáucaso, pedras preciosas, lã e seda da Ásia, arômatas da Arábia ou do Egito, marfim, ouro, couros, escravos do Sudão ou do Oriente. Fornecem, em troca, objetos de luxo, hábeis imitações de um estilo compósito e de uma fatura quase sempre apressada, mas que satisfaz a sua clientela. Assim são as jóias delicadas realçadas por pedras, os frágeis objetos de vidro, os vasos de metal cinzelado, as armas luxuosas, os marfins perfurados, encontrados ainda hoje aonde quer que seus navios tenham atracado; juntem-se a esses artigos os produtos menos duradouros que os acompanhavam: mel da Judéia, frutos confeitados, perfumes e arômatas, couros e tecidos de lã, linho ou seda ricamente tingidos e bordados.
Tudo isso se empilhava nos portos da Fenícia, nos mercados cheirando a óleo, uvas secas e arômatas, nos cais onde se confundiam todos os idiomas e todos os povos mediterrânicos, graves egípcios vestidos de linho engomado, gregos fanfarrões, chlaina ao ombro, fenícios envergando tecidos multicores, assírios em longas vestes e a turba de estivadores e marujos com o tronco nu e queimado de sol vergando sob os fardos ou curvados sobre compridos remos.
4. Papel e influência dos fenícios - Apesar de sua ubiquidade, os fenícios quase não deixaram vestígios na civilização dos povos com os quais comerciavam, e mesmo dos que colonizaram. Na Espanha, a escultura indígena, conhecida pelas estátuas do Cerro de los Santos e da Dama de Elche, revela uma influência fenícia; a Sardenha adotou alguns cultos cartagineses, ou mesmo orientais; a África do Norte conservou por muito tempo restos da língua púnica; trata-se, porém, de regiões em que a ocupação foi completa e duradoura. Em todos os outros lugares, os fenícios não passaram de corretores do mundo mediterrânico, os intermediários entre os países orientais e ocidentais.
Essas relações com povos tão diversos e a necessidade de comunicar-se facilmente explicam o sucesso e a difusão de uma admirável invenção fenícia: a do alfabeto³, que, adotado quase imediatamente pelos gregos, se tornou o veículo do pensamento antigo, o instrumento literário do mundo mediterrânico. A despeito de Heródoto, que atribuía sua paternidade aos fenícios, supunham-se origens muito diversas para o alfabeto até a descoberta do sarcófago de Ahiram, que trazia uma inscrição alfabética da metade do século XIII. [...]
Certamente, nem todos os sinais empregados no sarcófago foram inventados pelos fenícios (a maioria deriva de sinais egípcios ou minóicos com valor silábico), mas constituem, pela primeira vez, um sistema reduzido a 22 letras simples e nitidamente diferenciadas que exprimem com clareza todas as articulações da língua fenícia. Os outros países mediterrânicos puderam adotá-lo facilmente, modificando ou acrescentando alguns sinais. É, pois, a esse povo egoísta e interesseiro, mas engenhoso e realista, que se deve o primeiro sistema de escrita universal.
GABRIEL-LEROUX, J. As primeiras civilizações do Mediterrâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 69-78.
Esse caráter compósito e essa falta de originalidade são visíveis já no segundo milênio. Em Biblos, um túmulo continha um harpé de bronze, arma puramente babilônica, incrustada de motivos egípcios em ouro. Uma taça de metal apresenta-se ornada com a espiral egéia. Uma grande jarra encerrava escaravelhos hicsos, dois cilindros da Capadócia, jóias de estilo muito variado, entre outras, um pingente redondo decorado a serrilha, segundo um processo que parece originário da Mesopotâmia. A arquitetura, depois de imitar os templos egípcios, inspirou-se nos túmulos micênicos em Ugarit (século XIV).
Lugar à parte merece o belo sarcófago do rei Ahiram² de Tiro (século XIII). A cuba maciça repousa sobre quatro leões deitados, muito orientalizantes, mas está ornada, em baixo-relevo, com cenas de oferenda ao rei, carpideiras e um friso de lótus de estilo egípcio. [...] Essa obra, associada à arte sírio-hitita, é de um vigor e de um sentimento artístico infelizmente raros na Fenícia.
² Sarcófago do rei Ahiram de Tiro
A arquitetura, nos séculos seguintes, busca o colossal: diques do porto de Tiro, muralhas de Cartago, baluarte ciclópico apoiado à montanha, perto de Sídon, onde se eleva o templo de Eshmun. O próprio santuário não passa de uma capela ornada de motivos muito compósitos: palmeiras, protomes de touros, esfinges e grifos, mais cipriotas que egípcios ou assírios. Mas é sobretudo a propósito do metal e da cerâmica que se pode falar de arte cíprio-fenícia. Distinguem-se aí elementos heteróclitos - egeus, asiáticos e egípcios -, constituindo porém um repertório característico de formas e motivos amplamente difundido.
Até o século XII, aproximadamente, os vasos cipriotas, de inspiração micênica, ornados de motivos repletos de quadrículos pretos sobre fundo branco, e às vezes de uma decoração animal ou vegetal muito estilizada, são muito distintos dos jarros, dos pequenos bilbils de gargalo deseixado e dos vasos querenados, sem decoração pintada, fabricados na Síria. A seguir, as formas e os ornamentos de Chipre penetram na Fenícia e unem-se a motivos orientais, como o dos touros justapostos.
Em compensação, desde o século XV, os magníficos vasos fenícios de metal cinzelado ou em relevo, encontrados em Biblos e Ugarit, igualam-se aos mais belos produtos cipriotas. As pateres são taças pouco profundas em bronze, ou em prata, por vezes douradas, que se encontram, a partir do século VIII, na Fenícia, em Chipre, na Assíria, na Grécia e na Itália. A decoração, formada de um motivo central e de zonas circulares concêntricas, é muito compósita: heróis lutando contra cães de caça, faraó em combate, trajes assírios, lótus do Egito e palmetas sírio-fenícias... Algumas das mais belas peças foram provavelmente executadas em Chipre, mas a maioria é constituída por obras de oficinas fenícias, exportadas para todas as partes.
A mesma inspiração compósita manifesta-se nos sinetes, nas pedra gravadas, nos marfins esculpidos, nas jóias de ouro ou de prata cinzelada, estampada, filigranada, nos pesados colares em pasta de vidro, todo um aparato luxuoso e vistoso que se encontra por todo o Mediterrâneo e até nos ombros da Dama de Elche, na Espanha.
A religião fenícia deve muito aos mitos da Caldéia e ao Egito, que erigiu no terceiro milênio um templo em Biblos. Os deuses fenícios são chamados Baal e Baalat, "senhor" e "senhora", porque é proibido pronunciar seus verdadeiros nomes. O Baal de Tiro, frequentemente assimilado a Héracles, chama-se também Melquart; a Baalat de Biblos, Ashtoret (Astartéia em grego), forma um casal divino com Adônis, deus da vegetação, cuja morte ela chora todos os anos, quando as águas da torrente Adônis (Nahs Ibrahim) se tingem de vermelho devido à argila arrastada pelas enchentes. Cartago venera Astartéia sob o nome de Tanit, um Baal Hammon frequentemente confundido com o Amon egípcio, e o deus Eshmun, que lembra Asclépio. A religião fenícia destaca-se por um aspecto rude e cruel, conservado durante muito tempo: os sacrifícios humanos foram regularmente praticados e não se podem negar as oferendas de crianças ao Molok de Cartago.
Cúpido, ávido de lucros, não raro velhaco, esse povo só tinha uma lei: a do lucro; uma autoridade: a do dinheiro. O poder pertence teoricamente a dois sufetas, como em Cartago, mas, na realidade, está nas mãos de magistrados recrutados nas famílias de armadores e de grandes negociantes; a dos Magônidas, em Cartago, deteve por muito tempo os cargos mais importantes da cidade. Tirânica e desconfiada, essa aristocracia busca antes de mais nada o enriquecimento: as feitorias e as colônias não passam de fontes de rendas e pagam tributos opressivos à metrópole; os estrangeiros são submetidos a taxas e direitos de todo tipo; os indígenas, explorados sem escrúpulos, cultivam as terras na qualidade de servos; o exército, pouco estimado, é composto de mercenários, com os quais a cidade entra frequentemente em conflito: em Hímera, combateram por Cartago líbios, iberos, sardos, corsos e lígures.
As riquezas assim defendidas vêm da agricultura, da indústria e sobretudo do comércio. A estreita planície da Fenícia possui vinhas, pomares carregados de frutas, espigas de trigo, "mais abundantes que os grãos de areia nas praias". Acrescentam-se a isso a criação e a exploração das florestas. Na Tunísia e na Sardenha, as culturas de cereais são muito desenvolvidas graças à mão-de-obra indígena; os próprios romanos traduziram um célebre tratado de agricultura de Magon.
A indústria orienta-se principalmente para o comércio e a exportação: construções navais, tecelagem do linho e da lã, fabricação de púrpura, trabalho do couro, cerâmica e trabalho do metal cinzelado, martelado ou fundido; indústria do vidro, que se inspirou no Egito, mas foi aperfeiçoada: vidro opaco, vidro tingido ou colorido na massa, pérolas e pedras de imitação; trabalho do marfim ou do ouro, ourivesaria e joalheria, fabricação de perfumes...
Esses produtos variados e muito admirados são distribuídos em toda parte pelos mercadores. A Ilíada cita o véu bordado que Hécuba oferece à deusa protetora de Tróia e o vaso cinzelado que Aquiles ganha nos jogos em homenagem a Pátroclo como obras fenícias. Esse comércio é feito por terra através de toda a Ásia Menor e por mar na orla do Mediterrâneo. Os fenícios vão buscar longe as matérias-primas ou os produtos exóticos: trigo da Sicília, da Sardenha ou do Magreb, metais da Espanha, da Etrúria ou do Cáucaso, pedras preciosas, lã e seda da Ásia, arômatas da Arábia ou do Egito, marfim, ouro, couros, escravos do Sudão ou do Oriente. Fornecem, em troca, objetos de luxo, hábeis imitações de um estilo compósito e de uma fatura quase sempre apressada, mas que satisfaz a sua clientela. Assim são as jóias delicadas realçadas por pedras, os frágeis objetos de vidro, os vasos de metal cinzelado, as armas luxuosas, os marfins perfurados, encontrados ainda hoje aonde quer que seus navios tenham atracado; juntem-se a esses artigos os produtos menos duradouros que os acompanhavam: mel da Judéia, frutos confeitados, perfumes e arômatas, couros e tecidos de lã, linho ou seda ricamente tingidos e bordados.
Tudo isso se empilhava nos portos da Fenícia, nos mercados cheirando a óleo, uvas secas e arômatas, nos cais onde se confundiam todos os idiomas e todos os povos mediterrânicos, graves egípcios vestidos de linho engomado, gregos fanfarrões, chlaina ao ombro, fenícios envergando tecidos multicores, assírios em longas vestes e a turba de estivadores e marujos com o tronco nu e queimado de sol vergando sob os fardos ou curvados sobre compridos remos.
4. Papel e influência dos fenícios - Apesar de sua ubiquidade, os fenícios quase não deixaram vestígios na civilização dos povos com os quais comerciavam, e mesmo dos que colonizaram. Na Espanha, a escultura indígena, conhecida pelas estátuas do Cerro de los Santos e da Dama de Elche, revela uma influência fenícia; a Sardenha adotou alguns cultos cartagineses, ou mesmo orientais; a África do Norte conservou por muito tempo restos da língua púnica; trata-se, porém, de regiões em que a ocupação foi completa e duradoura. Em todos os outros lugares, os fenícios não passaram de corretores do mundo mediterrânico, os intermediários entre os países orientais e ocidentais.
Essas relações com povos tão diversos e a necessidade de comunicar-se facilmente explicam o sucesso e a difusão de uma admirável invenção fenícia: a do alfabeto³, que, adotado quase imediatamente pelos gregos, se tornou o veículo do pensamento antigo, o instrumento literário do mundo mediterrânico. A despeito de Heródoto, que atribuía sua paternidade aos fenícios, supunham-se origens muito diversas para o alfabeto até a descoberta do sarcófago de Ahiram, que trazia uma inscrição alfabética da metade do século XIII. [...]
³ Inscrição em fenício e grego antigos
Certamente, nem todos os sinais empregados no sarcófago foram inventados pelos fenícios (a maioria deriva de sinais egípcios ou minóicos com valor silábico), mas constituem, pela primeira vez, um sistema reduzido a 22 letras simples e nitidamente diferenciadas que exprimem com clareza todas as articulações da língua fenícia. Os outros países mediterrânicos puderam adotá-lo facilmente, modificando ou acrescentando alguns sinais. É, pois, a esse povo egoísta e interesseiro, mas engenhoso e realista, que se deve o primeiro sistema de escrita universal.
GABRIEL-LEROUX, J. As primeiras civilizações do Mediterrâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 69-78.