"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 7 de abril de 2012

Reggae, o hino da resistência na Jamaica


Quando a lenda da música reggae, Bob Marley (1945-1981), cantou "Get up, Stand up", era um chamado para a guerra. O reggae tornou-se o hino da resistência na Jamaica, uma antiga colônia britânica onde a cor, a classe e o capitalismo se misturaram em uma encruzilhada urbana de pobreza e subdesenvolvimento. A letra da canção continua sendo uma verdade para muitos povos distantes do Caribe:

Levante, resista
Lute por seus direitos
Levante, resista
Não desista da luta

Em sua pátria jamaicana, o reggae estava ligado à religião Rastafari, uma filosofia de descendência africana que combinava ensinamentos bíblicos cristãos com crenças enraizadas no reinado histórico do último imperador etíope, Haile Selassie I (1930-1974), como o deus vivo do povo negro. Canções de liberdade eram "canções de redenção". Surgindo das tradições populares jamaicanas e abrangendo múltiplos estilos musicais, de fontes locais e importadas, a música reggae também estava enraizada na consciência histórica. A canção de Marley, "War", foi retirada quase que inteiramente de um discurso de Haile Selassie. Outras músicas cantaram histórias silenciadas por aqueles que detinham o poder; na letra da música "Buffalo Soldier", sobre os soldados afro-americanos esquecidos que lutaram pela liberdade dos Estados Unidos, Marley lembrava a seus ouvintes que "se você conhecesse sua história, você saberia de onde vem".

War

O talento artístico de Marley atraiu a atenção da ordem política jamaicana, que foi forçada a levar os pobres a sério, principalmente a subclasse negra da ilha. Mas a mensagem do reggae transcendia os limites políticos e religiosos. Bob Marley cantou para as esperanças e aspirações dos oprimidos e para uma nova geração de jovens e revolucionários que buscavam filosofias alternativas para desafiar o status quo. Ele clamou pela liberdade pessoal e pela revolução. Suas canções atingiam as paradas musicais em todas as partes do mundo e vieram a ser associadas com as lutas pela independência política dos negros. Em 1980, Bob Marley foi convidado a ir ao Zimbábue para se apresentar na cerimônia de independência da nação africana. Embora Marley tenha morrido no ano seguinte, a autenticidade política da música reggae forneceu um modelo para a revolução e para a resistência além da Jamaica nos anos que se seguiram. Além do mais, ela virou um hino para o reconhecimento da diferença e do papel que esta poderia desempenhar na solidariedade e na mudança.

Como sugerido pela música de resistência de Bob Marley, as ideias e circunstâncias que inspiraram a mudança revolucionária no século XX foram encontradas tanto na experiência dos povos oprimidos ao redor do globo quanto nos exemplos históricos de outros movimentos de resistência. A história contada a partir do ponto de vista daqueles no poder poderia ser uma ferramenta para silenciar outros passados; mas a memória histórica também poderia ser um meio de outorgar poder àqueles que buscavam mudanças sociais e políticas.

GOUCHER, Candice; WALTON, Linda. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto Alegre: Penso, 2011. p. 237.

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