Na manhã de 12 de agosto de 1798 as paredes das igrejas de Salvador, a antiga capital, apareceram com manuscritos que diziam: "Está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais".
Era uma nova conspiração, mais popular que as anteriores. As notícias falavam em 769 pessoas comprometidas com o movimento, entre as quais oficiais, soldados, artesãos, profissionais liberais, escravos, negros forros, comerciantes, frades e alguns proprietários.
Os proprietários eram pouco numerosos, pois a maioria recuperava-se da longa crise da economia açucareira com o chamado "renascimento agrícola" do final do século. Pior para os não-proprietários: as terras que abrigavam as culturas de subsistência foram novamente tomadas por canaviais. Preços altos e fome torturavam 90% da população: só os ricos fazendeiros e os gordos comerciantes portugueses de Salvador estavam bem. Não eram, portanto, casuais os saques aos armazéns em busca de carne e farinha, nem o incêndio do pelourinho, símbolo da dominação lusitana. Conspirar, querer a revolução, parecia a única saída para os oprimidos.
Atingindo as senzalas, o liberalismo ganha um caráter transformador e igualitário. Mesmo Cipriano Barata, um notável revolucionário democrata, intelectual que pregava seus ideais até para os escravos do interior, perdeu a liderança para os homens do povo, mais radicais.
Vitorioso o movimento, planejava-se acabar com a escravidão e com o preconceito racial, fundar uma república democrática que comerciaria livremente com todos os países, "mormente a França", exemplo para os revolucionários de então. Os conventos seriam abertos, com franquia para os que quisessem sair. Os presos forçados das galés seriam postos em liberdade. O soldo da tropa seria aumentado, pois cada um soldado é cidadão, sobretudo os homens pardos e pretos, que vivem escornados e abandonados. Todos serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade e fraternidade.
Muitos alfaiates, sapateiros, bordadores, carpinas e pedreiros aderiram ao movimento que, por isso, ficou conhecido como Revolta dos Alfaiates. Acredita-se que até à capitania da Bahia, de 50 mil habitantes, na sua maioria negros, chegavam notícias dos levantes de escravos no Haiti.
A difusão dos princípios liberais ganhara grande impulso com a fundação da loja maçônica Cavaleiros da Luz, por inspiração do comandante de uma fragata inglesa, Larcher.
A repressão agiu com rapidez, impedindo a reunião convocada para o Campo do Dique. Foram encarceradas 49 pessoas e as sentenças variadas. Exílios para a África ou para Fernando de Noronha, açoites nos escravos participantes e pena de morte para quatro líderes, soldados e alfaiates [...]. Por sinal, quatro mulatos.
Praça da Piedade, local onde foram executados os conjurados.
No manifesto dos inconfidentes baianos, havia a exortação: "Povo, o tempo é chegado para defenderes a vossa liberdade; o dia da nossa revolução, da nossa liberdade e da nossa felicidade está para chegar. Animai-vos que sereis felizes para sempre!" A animação não foi suficiente.
Apesar da derrota do movimento, estava claro o agravamento da crise do sistema colonial. Sem condições para manter as frotas de comércio para o Brasil, Portugal apela para a Inglaterra e o contrabando se amplia. Isso ajuda a compreender a grande influência francesa na Conjuração Baiana.
ALENCAR, Francisco et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 91-92.
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