Mais que uma categoria racial, o mestiço na colônia é uma categoria social. Geralmente homem livre, não goza dos privilégios e oportunidades dos brancos, e não está sujeito às violências que sofrem índios e negros. Num sentido estrito, é um mestiço o filho de espanhol com índia [...]; mulato é o filho de espanhol com negra; zambo, o descendente de negro e índia, e assim até englobar uma enorme quantidade de cruzamentos raciais, para cada uma das quais a sociedade colonial tem uma denominação específica. [...]
Construção do palácio de Cortés (detalhe), Diego Rivera
A situação de mestiço contém uma espécie de ambiguidade psicológica: o temor de ser confundido com seu progenitor índio ou negro e a aspiração a superar os obstáculos que lhe dificultaram a ascensão social acabam criando uma competição no seu ser, vivem nele contraditoriamente, o dilaceram. Em várias ocasiões seus meio-irmãos brancos (de pai ou de mãe), e sua condição de bastardo contribuem muito para aumentar sua frustração, para sentir-se violentamente preterido, injustamente inferiorizado pela cor da pele que ele mesmo abomina. Geralmente a conduta do mestiço exterioriza o drama que a sociedade o faz viver. Tende a imitar os que estão no alto da pirâmide social, a colocar-se em postura serviçal diante deles e a bajulá-los, sem abandonar o profundo desprezo que tem em relação aos que o empurram para baixo. Para diferenciar-se dos que estão no nível mais inferior, se aplica na sua condição de homem livre, em sua identidade humana superior. Premido entre os dois extremos, pisa nas cabeças dos que estão abaixo de si para ascender à escala social superior, estende as mãos para aferrar-se à cauda dos fraques dos que estão acima. Não é pouca sua contribuição aos sofrimentos dos índios, que legalmente não são considerados escravos.
Ainda que a legislação permita o casamento entre raças diferentes, a união de um branco com uma mulher de cor é tida como desonrosa. A lei e os valores socialmente aceitos pelos dominadores não se combinam, pelo menos nesse caso. [...]
Os espanhóis aceitam viver em concubinato com índias e negras. Essa convivência sem laços legais tem fortes antecedentes na Espanha medieval onde é conhecida como barragania [a concubina vivia na casa do amancebado]. Nos fins da Idade Média a legislação regula essa união [...]. Se bem que os Reis Católicos exigem que todos os casamentos sejam celebrados pela Igreja, os primeiros a não cumprir esse mandato são os próprios sacerdotes, obviamente impedidos de casar-se, mas não de ter concubinas quase abertamente. Na América colonial, sacerdotes e laicos exercem, ativamente, uma poligamia sucessiva ou simultânea, ou ambas ao mesmo tempo. A maioria dos mestiços nasce de relações sexuais extramatrimoniais. [...]
A mulher mestiça tende a unir-se ao branco, desprezando seus semelhantes e ainda muito mais aqueles que estão nos limites inferiores da escala social. O filho que não foi legitimado pelo pai branco tem o caminho para o matrimônio com uma mulher branca praticamente fechado. Deve unir-se a uma mulher de sua condição [...] ou de uma condição inferior, o que para ele significa degradação social.
Um espanhol não se casa com uma negra. Mas também o número de mulatos cresce consideravelmente, o que demonstra que engravidar negras, longe de ser uma desonra, é prazer e satisfação.
Nos fins do período colonial, a mestiçagem enquanto condição social se acentua. Serão mestiços os índios que aprenderam a ler e escrever, adotaram as roupas e hábitos europeus, os padrões de convivência e os costumes. Em troca será considerado índio o mestiço que assimilou os costumes e modos de vida indígenas. Na época, no México, na América Central e nas Antilhas quase 24% dos habitantes são mestiços; na América do Sul, um pouco mais de 30%. [...]
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No século XVIII, o mestiço peruano - chamado cholo - forma a maior parte da população urbana. Faz as vezes de soldado, sacerdote, artesão. Impedido de trabalhar nos serviços administrativos mais importantes, é encontrado, frequentemente, nos postos mais baixos, ruminando seus rancores e sua raiva diante do rigoroso enquadramento que a sociedade lhe impõe. Na Venezuela chega a ser o grupo mais numeroso e é encontrado nos arredores das cidades, em ofícios pouco apreciados. Sem obrigação de pagar tributos, livre para deslocar-se e viver onde melhor possa, não lhe é difícil perceber o quão são ilusórios sua liberdade e seus privilégios em relação aos índios. [...]
POMER, León. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 129-131.
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