No século XI, os movimentos denominados heréticos pela
Igreja coincidem com as mudanças que ocorriam na época, entre elas o esforço
dos chefes de famílias nobres para controlar o casamento, a renovação católica
e a degradação da condição feminina.
Podemos ver nesses movimentos uma reação dos oprimidos por
essas mudanças: filhos deserdados, mulheres que tinham seus direitos
desrespeitados pelos homens, camponeses abastados que começaram a ser
explorados por senhores feudais, clérigos que não concordavam com as imposições
dos seus superiores, populações urbanas que queriam se livrar das imposições
dos senhores.
Os cristãos, leigos e clérigos, que contestavam radicalmente
o casamento, considerando-o um impedimento à salvação, encontravam apoio nas
práticas monásticas tradicionais, que davam prioridade à vida em comunidade, à
castidade e à obediência. Todavia, contrariavam o projeto de trazer o casamento
para a esfera religiosa, de tornar sagrada a união matrimonial, para controlar
melhor a sua prática.
Em muitas comunidades heréticas, as mulheres eram tratadas
como iguais, abolindo-se as diferenças entre os sexos e colocando como ideal
para ambos a pureza dos anjos. Esses puros eram um pequeno número, mas atraíam
muitos simpatizantes. Aderir aos grupos heréticos era uma forma de reagir
contra a intervenção da Igreja nas regras matrimoniais do povo. No fundo
significava um protesto contra os privilégios do clero. Os hereges julgavam o
clero inútil.
Como costuma acontecer com os movimentos contestadores da
ordem, a heresia, perseguida e destruída, deixou pouca memória. Seus vestígios
são encontrados na palavra dos vencedores, dos que a condenaram e destruíram.
As vozes dos vencedores procuraram ligar a heresia à mulher,
ser que, na visão católica, era envenenador, instrumento de Satanás, eterna Eva
que levava à perdição.
Como muitos hereges recusavam o casamento e o sexo, foram
taxados pelos membros da Igreja como hipócritas e mentirosos. Na verdade,
diziam os clérigos, praticariam a comunidade sexual, tendo relações com a
mulher que estivesse mais próxima, fosse sua mãe ou irmã. Os filhos dessas
relações monstruosas seriam queimados em rituais etc. Conhecemos, portanto, as
vozes dos que venceram as heresias, mas muito pouco as dos vencidos.
Os bispos da Igreja venceram as heresias e acomodaram os
seus interesses aos das altas linhagens nobres. Disso resultou um modelo de
casamento e de comportamento sexual que se estabeleceu solidamente na sociedade
feudal.
Esse modelo dava ao cristão apenas duas maneiras de lidar
com a sexualidade. Como cônjuge, na moderação das relações matrimoniais -
seguindo as normas e proibições -, e como dirigente da Igreja, renunciando ao
sexo. O casamento seria uma proteção contra o mal.
O convento passou a ser refúgio das esposas repudiadas e das
mulheres sem marido, ajudando a resolver a questão da bigamia e a do repúdio à
esposa.
A acomodação entre a sociedade e a doutrina da Igreja sobre
o casamento trouxe também a aceitação implícita da diferença entre o
ensinamento e a prática.
A repressão ao sexo se afrouxava quando os laços do
matrimônio não estavam em
questão. O pecado era perdoado pela penitência, uma para cada
tipo de falta. O pecador reafirmava a sua submissão à Igreja aceitando a
penitência. Dava também uma satisfação à sociedade pelo seu erro. A sua prática
contribuía, então, para a ordem social.
PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos
temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 231-232.
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