O bebedor de Absinto, Édouard Manet
O aburguesamento do mundo, no século XIX, consolidou-se na
construção de novos valores e padrões de concepções e comportamentos, que
passaram a condicionar o dia a dia das pessoas, desde as atitudes sociais até
os aspectos mais íntimos da vida privada.
O aburguesamento foi, nesse contexto, o estabelecimento de
uma moral burguesa como modo final de contestação da dissolução dos costumes
aristocráticos que, até certo ponto, caracterizaram o século XVIII. O núcleo
desse processo foi a família, cuja constituição dependia da normatização e do
controle do casamento. O casamento e a família representavam os espaços de
definição dos papéis masculino e feminino. Ao homem, chefe da família, responsável
por seu sustento e manutenção, correspondia o espaço público do trabalho, da
rua e das atividades políticas. A mulher devia ser do lar. A ela correspondia o
espaço privado, local de confinamento, do controle social e da proteção.
No
café, Édouard Manet
* Moral burguesa e papel da mulher. O casamento
burguês era rigorosamente monogâmico. Mas só se exigia fidelidade da mulher. As
experiências extraconjugais eram não só consideradas normais como até
estimuladas... para os homens! Os direitos de marido e pai não eram contestados
e incluíam a violência. Castigos físicos (surras) nas crianças e nas esposas
eram comuns. Quando muito, condenavam-se os excessos, que não eram raros.
A dupla moral burguesa, que admitia a liberdade masculina e
impunha a reclusão das moças e senhoras de família, praticamente determinava a
existência generalizada da prostituição.
As mulheres que se atreviam a contestar a ordenação burguesa
e machista do mundo eram tratadas como prostitutas ou loucas. A mulher que
permanecia solteira e não se tornava religiosa era alvo de estereótipos
negativos. Muitas eram internadas pelas próprias famílias em conventos ou asilos
para alienados mentais quando seu comportamento fugia dos padrões de moralidade
vigente a ponto de "envergonhar" o grupo doméstico a que pertenciam.
Tempos
difíceis, Hubert von Herkomer
* Opressão dos pobres. Para a moral burguesa, o
principal desvio e contestação era representado pela pobreza. Para o pensamento
burguês dominante, ser moral era ser rico. O pobre, portanto, era "imoral",
ao qual se reservava a conversão ou a punição. Foram criadas instituições
evangélicas (religiosas e leigas) cujo propósito era "converter",
moralizando, os pobres. Caso não se convertesse, o pobre era punido, inclusive
com a prisão.
A condenação da pobreza representava mais um estigma contra
a mulher. Se fosse casada com homem pobre, era obrigada a trabalhar fora, não
podendo exercer plenamente sua condição de "mulher do lar".
O aburguesamento do mundo, em especial do europeu, engendrou
reações contrárias: mulheres e pobres se calaram. A oposição dos pobres estava
presente principalmente nas lutas dos trabalhadores. As mulheres reagiram tanto
individual quanto social e politicamente, em instituições e movimentos
organizados para enfrentar o poder masculino, dando origem ao feminismo.
* Reação das mulheres. O feminismo, ou luta
pelos direitos das mulheres, foi fenômeno típico da segunda metade do século
XX. No entanto, suas origens recuam ao final do século XVIII. O movimento pelos
direitos das mulheres ganhou expressão política na luta pela conquista do
direito de voto, que nas revoluções liberais havia sido universalizado... para
os homens!
A luta feminina estendeu-se por todo o século XIX. Em 1882,
as várias sociedades feministas formaram a União Nacional das Sociedades em
defesa do sufrágio feminino. Muitos homens integraram a luta em prol do voto
feminino.
O movimento feminista foi interrompido em 1914, quando
eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Em 1918, o voto feminino foi concedido às
mulheres casadas, às chefes de família e às universitárias com mais de 30 anos.
Só em 1928 o direito de voto foi estendido a todas as mulheres maiores de 21
anos, tal como acontecia com os homens.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um
mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 370-372.
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