"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 11 de setembro de 2016

American way of life

A nova posição feminina expressava-se por meio de comportamentos considerados ousados e vistos pelos conservadores como mais uma "prova" de decadência nos padrões de convivência humana: encurtamento das saias até os joelhos, cabelo curto, hábito de frequentar bares e prática de danças como o foxtrote e o charleston. 
Foto: Inspeção de trajes de banho em 1919, Estados Unidos. Se o modelo fosse muito curto, a moça tinha que pagar multa

O milagre americano criou condições para que aflorasse, nas classes médias e na burguesia, um estilo de vida considerado modelo da moderna civilização ocidental: o american way of life (modo de vida americano). Tal como as mercadorias, ele foi exportado para o mundo todo¹.

* Prosperidade e liberdade. O modo de vida americano, tendo como base a riqueza, caracterizava-se pela construção de edifícios grandes e modernos, pela multiplicação de bairros residenciais cujas casas se ligavam por jardins e gramados, pelo aumento do número de carros e de aparelhos domésticos. Cada vez mais gerava-se a necessidade de consumir, alimentada pela propaganda e pelo crediário.

Na década da prosperidade presenciou-se também uma mudança na vida social e nos costumes, principalmente no que se refere à emancipação feminina. A mulher conquistou o direito de coto (1920), condição para a igualdade política. Nas décadas subsequentes, além de votar, as mulheres ocuparam cargos públicos e privados em vários escalões hierárquicos.

Contudo, a discriminação nos salários continuaria por muito tempo. Apesar disso, em 1940 as mulheres constituíam 25% da mão de obra do país, quando, em 1900, não passavam de 17,7%. A saída da mulher do lar e o trabalho ao lado do homem trouxeram mudanças significativas nos costumes e hábitos sociais. Cresceram sobretudo as reivindicações por igualdade de direitos.

A maior utilização do automóvel também provocou mudanças sensíveis no comportamento cotidiano, principalmente dos jovens, que puderam manter relações mais abertas e livres, longe do controle dos pais.

* Intolerância e fanatismo. A década de 1920 também foi marcada por manifestações de crescente intolerância, fanatismo e chauvinismo entre todas as classes e em todos os setores da sociedade norte-americana.

A política do cordão sanitário imposta à Rússia fez aflorar o medo do comunismo. O exacerbado chauvinismo intensificou o anti-semitismo, e a legislação praticamente pôs fim à imigração da Europa Meridional e Oriental. Organizaram-se ainda campanhas contra católicos.

Tomava corpo uma ideologia que reconhecia como 100% norte-americanos apenas os brancos e protestantes abastados, justificando perseguições aos negros, às outras minorias raciais e aos pobres em nome da preservação de um hipotético ideal de vida norte-americano.

Passou-se a investigar o conteúdo de livros didáticos e manuais escolares, para abolir as obras que não contivessem a apropriada glorificação do passado norte-americano. Grupos paramilitares, contando com o apoio de uns e o medo de outros, dominaram virtualmente o panorama de alguns estados, sobretudo os sulinos.

Nesse contexto, surgiu, em vários estados, a temida Ku Klux Klan², organização que fazia violenta pressão em prol do norte-americano 100%. Em 1925, a organização contava com aproximadamente 5 milhões de membros, levando fanatismo, violência e corrupção onde quer que penetrasse.

Outro componente do norte-americano 100% foi a ênfase na moralização dos costumes. Surgiram, então, várias ligas que se arrogavam o direito de defender qualquer aspecto da "civilização norte-americana" considerado em perigo. De 1919 a 1933, por exemplo, proibiu-se a fabricação, venda ou transporte de bebidas alcoólicas. A chamada Lei Seca contribuiu para o aparecimento de contrabandistas de álcool, os gângsteres e suas quadrinhas, cujo representante mais famoso foi Al Capone. (NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 434-435.)

 Agentes de proibição destruindo barris de álcool, Chicago, 1921

¹ Na década de 1920, os Estados Unidos estavam embriagados pelo elixir da prosperidade. O mundo não tinha visto nada parecido até então. [...] A família média americana vivia melhor, comia melhor, vestia-se melhor e usufruía mais da sociedade de consumo do que qualquer família média de outra parte do mundo. Eufóricos, os norte-americanos consumiam freneticamente relógios de pulso, geladeiras, latas de ervilhas, aparelhos de barbear, enceradeiras e tudo mais que o dinheiro e o crediário pudessem comprar. Enquanto na Europa a média era de um carro para 84 pessoas, nos Estados Unidos era de um para cada seis pessoas. (CAMPOS, Flávio de; MIRANDA, Renan Garcia. A escrita da história. São Paulo: Escala Educacional, 2005. p. 464.)

² A Klan foi organizada em 1915 pelo professor de história e pregador laico William J. Simmons. Adotou como modelo a organização de encapuzados que aterrorizava o sul do país depois da Guerra Civil. Os adeptos da Klan eram recrutados, principalmente, entre pessoas da classe média. Como só os protestantes brancos e nativos eram considerados capazes de compreender "racialmente" o norte-americanismo, a Klan deliberou a eliminação de católicos, judeus, negros e da maioria dos estrangeiros.

Referências:

CAMPOS, Flávio de; MIRANDA, Renan Garcia. A escrita da história. São Paulo: Escala Educacional, 2005. p. 464.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 434-435.

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