"Ilustração médica representando uma operação para castração". Charaf-ed-Din. C. 1466
Quase incalculável foi a influência da civilização sarracena na Europa Medieval e na Renascença, e alguma coisa dela certamente persistiu até hoje. A filosofia dos sarracenos foi quase tão importante como o cristianismo no fornecimento de uma base para o pensamento escolástico do século XIII, uma vez que foram os muçulmanos que tornaram acessíveis ao Ocidente as obras completas de Aristóteles e indicaram de modo mais completo o uso que se podia fazer de tais obras em apoio da doutrina religiosa. As conquistas científicas dos muçulmanos representavam contribuições ainda mais duradouras. A lista dessas contribuições inclui: a numeração arábica, a álgebra, descobertas médicas como o fenômeno do contágio e a natureza da varíola e do sarampo, numerosas drogas e compostos, e os processos químicos da sublimação e da filtragem. Embora a atividade dos sarracenos no campo literário não tenha sido tão extensa quanto na ciência, foi muito importante a sua influência literária. As baladas dos trovadores e alguns outros exemplares da poesia amorosa da França medieval inspiraram-se diretamente nas obras sarracenas. Algumas histórias das Mil e Uma Noites transparecem no Decameron de Boccaccio e nos Canterbury Tales de Chaucer, ao passo que o Livro dos Reis de Firdausi ofereceu a Matthew Arnold, escritor inglês do século XIX, o material para a sua história Sohrab and Rustum. Do mesmo modo, a arte sarracena teve uma influência de profundo significado, particularmente sobre a arquitetura gótica. Um número surpreendentemente grande de elementos arquitetônicos das catedrais góticas parece ter derivado das mesquitas e dos palácios muçulmanos. Uma relação incompleta incluiria: os arcos lobulados, as janelas rendilhadas, o arco ogival, o uso de caracteres e arabescos como recursos decorativos e possivelmente as abóbadas com nervuras. A arquitetura dos castelos medievais do segundo período era cópia ainda mais fiel das plantas de edifícios muçulmanos, em especial das fortalezas da Síria.
Finalmente, os sarracenos exerceram profunda influência no desenvolvimento econômico da segunda fase da Europa medieval e também do começo da Europa moderna. O reflorescimento do comércio que teve lugar na Europa ocidental durante os séculos XI, XII e XIII dificilmente teria sido possível sem o desenvolvimento da indústria e da agricultura dos muçulmanos, que estimulou a procura de novos produtos no Ocidente. Dos muçulmanos os europeus ocidentais adquiriram o conhecimento da bússola, o astrolábio, a arte de fabricar papel e talvez a produção da seda, embora o conhecimento dessa última possa ter sido obtido um pouco antes, do Império Bizantino. Além disso, é provável que o desenvolvimento, pelos muçulmanos, das sociedades comerciais por ações, cheques, cartas de crédito e outros instrumentos das transações comerciais, tenha larga relação com o início da revolução comercial da Europa, mais ou menos em 1400. Talvez seja mais claramente revelada a extensão da influência sarracena pelo grande número de palavras de origem árabe e persa usadas atualmente. Entre elas podemos citar: tráfico, tarifa, risco, cheque, magazine, álcool, cifra, zero, álgebra, musselina e bazar.¹
¹ Esta lista compreende somente palavras de formação árabe que penetraram na língua inglesa. O português e o espanhol, devido à longa ocupação da península ibérica pelos muçulmanos, contêm um número maior de palavras dessa proveniência e seus derivados. Entre elas contam-se muitas iniciadas pela sílaba al, que é o artigo definido em árabe.
BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas até a bomba atômica. Porto Alegre: Globo, 1964. p. 310-311. V. 1.
NOTA: O texto "Legado da civilização sarracena" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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