Derrota dos germanos após a batalha de Tolbiac,
Évariste Vital Luminais
As migrações germânicas provocaram, nas províncias romanas do Ocidente, encontros de civilizações originais, frequentemente bem complexas. Desses choques nasceu nossa civilização medieval, civilização de síntese, onde é difícil distinguir as tradições romanas e as múltiplas contribuições bárbaras. [...]
Parece ainda impossível avaliar
[...] a importância do povoamento bárbaro. Os estudos recentes concordam,
geralmente, em destacar o número relativamente pequeno de invasores e, desde
muito tempo, abandonou-se a ideia de uma onda humana ou de vagas irresistíveis
que tivessem submergido o Império, totalmente destruído por sua passagem. Em
região alguma se instalou uma ordem política absolutamente nova, impondo modos
de vida totalmente diferentes. Essas migrações bárbaras são, principalmente, do
ponto de vista humano, infiltrações de grupos étnicos pouco numerosos entre
populações já bem diversificadas.
[...]
Parece mais fácil definir as
formas da resistência romana, da qual dependia, em suma, a manutenção dos gêneros
de vida, da língua e do direito tradicional. [...]
Combate entre gauleses e romanos, Évariste Vital Luminais
A resistência apresenta-se bem
desigual. Não se estabelece mais, no século IV, sobre uma frente contínua,
sobre o limes intacto. Esse limes destruído ou enfraquecido,
arruinado em vários pontos, mantém, entretanto, um vigor concreto: permanece
uma zona fronteiriça entre duas civilizações em si estranhas. Isto
principalmente em relação à Germânia, onde o limes apoiava-se em sólidas cidades, cidades de guarnições, grandes
centros administrativos e mercados prósperos, que mantêm durante muito tempo o
povoamento, os estilos de vida, as atividades econômicas do tempo dos exércitos
romanos. No Reno, na região do Mosela, em toda a porção norte da Gália mesmo,
esta “rua de cidades” fortificadas marcou profundamente, durante séculos, a
civilização, as formas de expressão das regiões vizinhas. Em certos pontos, a
persistência de uma estrutura social estreitamente ligada à cidade, a das villae urbanae, mantém importantes “ilhas”
romanas em plena terra germânica. [...]
Do ponto de vista propriamente
militar, entretanto, a defesa romana contava menos com as fortificações do que
com os grandes exércitos de campanha, forças de intervenção eficazes,
estacionadas uma na Gália do Norte [...] e a outra na planície do Pó, nas
proximidades de Milão, Verona e Ravena [...]. Nas regiões do Sul, a defesa
dependia mais ainda da frota, por muito tempo senhora do Mediterrâneo, capaz de
assegurar a proteção dos comboios de trigo, das grandes rotas mercantes, dos
portos, das relações com a Grécia e o Bósforo, capaz também de enviar reforços.
É por mar que os imperadores do Oriente mantêm sua dominação ou influência, que
chegam os exércitos, os funcionários, os clérigos e monges formados e instruídos
em Constantinopla. Graças ao mar, a cidade do Bósforo torna-se a capital
espiritual e intelectual do mundo romano. Enfraquecido em terra, suas defesas
destruídas, o Império guarda ciosamente a dominação no mar e impede seus súditos
de ensinar aos bárbaros a arte de construir navios. Do que resulta o choque
decisivo das duas civilizações: a dos germanos nômades ou seminômades,
cavaleiros pastores ou infantes, a dos romanos, de cidades e portos
movimentados por rotas ancestrais.
[...]
HEERS, Jacques. História medieval. São Paulo: Difel,
1974. p. 25-27.
NOTA: O texto "Civilização e vida espiritual nos Reinos Bárbaros do Ocidente I: Continuidade romana e contribuições bárbaras" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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