"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Civilização e vida espiritual nos Reinos Bárbaros do Ocidente II: Os gêneros de vida; Os Bárbaros e a cidade

Armim diz adeus a Thusnelda, Johannes Gehrts

Tornou-se um lugar comum relacionar a civilização germânica a uma vida mais ou menos nômade ou errante, estranha todavia às tradições da vida urbana. As invasões bárbaras teriam então provocado uma desintegração das cidades, das relações do comércio e do artesanato urbano, da própria economia monetária. [...]

Certamente, o habitat natural dos germanos, nas regiões do Norte ao menos, não era a cidade cercada por muralhas, nem a villa romana de pedra, mas a aldeia, onde as cabanas de madeira alinhavam-se em filas. Não se sabe se estas aldeias correspondem a novos estabelecimentos ou se foram instalados sobre ruínas de villae destruídos. Muitas também, sem dúvida, são uma continuidade das antigas aldeias celtas, do mesmo tipo, que a ocupação romana não havia feito desaparecer completamente. Desse modo, a extinção ou o enfraquecimento dos gêneros de vida propriamente romanos explicam-se tanto pela revivescência de “barbáries indígenas” como pelo êxito de “barbáries importadas” (L. Musset). A evolução certamente foi muito lenta e pouco perceptível aos olhos dos contemporâneos, que continuaram a empregar o mesmo nome: villa depois village.

Em todo o Ocidente, todavia, o estabelecimento dos bárbaros marca um certo declínio das cidades, bem desigual, é verdade. Essa regressão foi, efetivamente, bem mais forte na Gália: os habitantes abandonam uma parte importante da cidade e se refugiam num núcleo fortificado, perto das arenas ou frequentemente próximo a uma porta. [...] Ao passo que na Espanha e na Itália, quase todas as cidades conservam, senão suas atividades, ao menos sua importância como outrora [...].

[...]

Godos atravessam um rio, Évariste Vital Luminais

Na Gália, na Espanha e na Itália, os reis francos ou godos não eram reis nômades, mas mantinham seus palácios em várias cidades administrativas. Uma feliz abordagem do assunto realizado por E. Ewig salienta a importância das cidades capitais, residências reais, enriquecidas por uma corte, estabelecimentos administrativos, escolas, santuários, uma basílica funerária para a dinastia. [...] As grandes residências principescas, condais ou episcopais, fortificadas, cercadas de casas da família, os santuários dispersos pela cidade ou fora de seus muros, os burgos abaciais, frequentemente cercados por muralhas, movimentados pelo mercado e pelo trabalho dos artesãos, caracterizam de maneira decisiva a paisagem urbana da Gália, entre o Sena e o Reno. Às antigas cidades romanas já se substituem cidades mais anárquicas, principalmente cidades duplas ou múltiplas, aglomerações, “conglomerados de cidades”.

Na Espanha, os visigodos, criadores de gado, estabelecem-se nos altos planaltos do centro. Sua instalação provoca sem dúvida um enfraquecimento da vida urbana: episódio dramático dessa fase foi a destruição de Cartagena, retomada aos bizantinos em 618. Os godos mantêm, entretanto, algumas guarnições nas cidades do Norte; alguns casam-se com mulheres da aristocracia hispano-romana; [...]

[...]

HEERS, Jacques. História medieval. São Paulo: Difel, 1974. p. 28-29.


NOTA: O texto "Civilização e vida espiritual nos Reinos Bárbaros do Ocidente II: Os gêneros de vida; Os Bárbaros e a cidade" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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