Em
todas as sociedades indígenas, a caça é uma atividade masculina. Pode ser
realizada individual ou coletivamente. Naturalmente, nem todos os grupos
indígenas dão a mesma importância à caça. Os índios do alto Xingu, por exemplo,
dedicam-se muito mais à pesca. Eles não fazem caçadas coletivas; praticam a
caça de aves e, ocasionalmente, de pequenos mamíferos; não se nota, no alto
Xingu, o consumo de caça de pêlo (veado, porco, capivara etc.) e um grande
número de tabus desestimulam o consumo de carne [...].
Outros
grupos, como os timbiras, dão uma importância muito grande à carne de caça.
Entre eles, nos meados do século XX, além das caçadas individuais, eram
freqüentes as caçadas coletivas, não raro destinadas a obter carne a ser
consumida nos ritos. Hoje provavelmente elas já não são tão produtivas, dado o
aumento da população não indígena na região em que vivem. Já para os índios
maués, a caça é sempre uma atividade individual.
Família de botocudos em marcha, Jean-Baptiste Debret
As
técnicas utilizadas na caçada variam de sociedade para sociedade. Elas variam
também segundo a espécie de animal procurada. Os xoclengues de Santa Catarina,
por exemplo, por volta de 1930, caçavam a anta perseguindo-a em suas carreiras,
com ou sem ajuda de cachorros; o caititu, caçavam-no esperando-o sair da toca
ou obrigando-o a sair dela com ajuda de fogo. Os teneteharas costumavam
construir abrigos no chão ou no alto das árvores, nos locais freqüentados por
cada espécie de animal, onde o caçador os espera, sobretudo à noite; na estação
chuvosa, o terreno se alaga, e a caça se refugia nas partes mais altas, onde é
fácil capturá-la. [...] Uma das técnicas dos índios xavantes é atear fogo em
círculo num local do cerrado, deixando uma abertura por onde os animais fogem
espavoridos, sendo aí abatidos.
As
atividades de caça obrigam os índios a conhecerem os hábitos dos animais para
melhor poder procurá-los ou esperá-los. Desse modo, dos representantes de cada
espécie, sabem se andam de dia ou de noite, de que frutas gostam, onde costumam
se esconder. Também dispõem de uma série de recursos mágicos para caçar: os
índios craôs, por exemplo, usam determinados vegetais para esfregar no corpo ou
para fazer infusões que ingerem, segundo a espécie de animal que desejam caçar;
os índios teneteharas tomam muito cuidado para não ofenderem seres
sobrenaturais, a fim de não ficarem “panema”, isto é, sem sorte na caça. Alguns
grupos indígenas acreditam que os sonhos possam predizer o sucesso das caçadas,
como os maués e os craôs.
Tipos diferentes de flechas de indígenas brasileiros, Jean-Baptiste Debret
Após
o contato com os civilizados, as técnicas indígenas de caça se alteram devido à
introdução de itens importantes, como as armas de fogo, a lanterna de pilha e o
cão. As armas de fogo são logo adotadas, por permitirem alcançar alvos a maior
distância que as flechas lançadas pelo arco. Mas, em certas situações, uma arma
indígena como a zarabatana, que lança projetis com ponta embebida em curare, de
uso entre os matis do sudoeste do Amazonas, mostra-se mais adequada que a
espingarda: por ser silenciosa, permite vários tiros às aves ou macacos nas
árvores, sem espantá-los. A lanterna abriu a possibilidade da caçada de espera
noturna. Os cães se tornaram auxiliares tão preciosos que chegam a ter até mito
de origem entre os marubos, vizinhos dos matis, mito este que não alude aos brancos,
talvez por não terem sido recebidos destes diretamente, mas chegado por
intermédio de uma série de outras sociedades indígenas. Malgrado proporcionarem
mais eficiência na atividade de caça, essas contribuições dos civilizados
trazem também a desvantagem de tornar os índios dependentes de artigos que eles
próprios não podem fabricar: balas, cartuchos, pólvora, chumbo, pilhas. Além
disso, os vizinhos sertanejos passaram a ser concorrentes dos índios na procura
da caça, não somente para sua alimentação, mas também para a obtenção de
produtos comerciais, tais como couros de diversas espécies e penas de ema.
MELATTI,
Julio Cezar. Índios do Brasil. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014. p. 95-7.
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