"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 7 de janeiro de 2017

A coleta nas sociedades indígenas do Brasil

[...] Para os poucos grupos indígenas que não praticavam a agricultura, a coleta era o único meio de obter alimento vegetal. Não há propriamente exemplos de índios sem agricultura no Brasil recente; houve o abandono da agricultura por alguns deles, antes do contato como os brancos, por um certo período, para mais facilmente escapar a ataques ou por julgá-la dispensável diante do que o meio então oferecia; foi o caso dos guajás do Maranhão, dos xoclengues de Santa Catarina e de parte dos paracanãs do Pará. Nas atividades de coleta também se pode incluir a procura de animais minúsculos, como gafanhotos, certas larvas, determinadas espécies de formigas e de produtos de origem animal, como o mel, ovos de tartaruga etc.

Grupo de camacãs na floresta, Maximilian zu Wied-Neuwied


As atividades coletoras variam com as regiões e segundo as tradições alimentares de cada sociedade. Os xoclengues, por exemplo, por viverem no sul do Brasil, podem dar uma grande importância à coleta do pinhão, mas não têm em seu território os frutos do buriti, a cuja procura se aplicam os timbiras do Brasil Central.

A coleta não inclui apenas elementos comestíveis, mas também matéria-prima para elaboração de produtos diversos: plantas que tenham qualidades medicinais ou mágicas, canas para a fabricação de flechas, fibras para fazer cordas, timbó para entorpecer peixes, cal para pintar o corpo, cera e resinas que sirvam de adesivos, em suma, uma infinidade de elementos.

Tribo indígena, Johann Moritz Rugendas


No passado, a coleta era uma das atividades que os timbiras praticavam quando saíam de suas aldeias em longas expedições após terem plantado suas roças. Essas expedições duravam até o momento em que o milho das roças estava pronto para ser colhido. Até pouco depois de seu contato com os brancos, em meados do século XX, os xavantes passavam a maior parte do ano a fazer expedições que duravam de seis semanas até três ou quatro meses, freqüentando os locais, nas épocas adequadas, onde podiam coletar itens vegetais que constituíam matéria-prima para seus artefatos. E os matis, de sudoeste do Amazonas, após o contato, valem-se das embarcações motorizadas da Funai, para mais facilmente se transportarem até os locais onde há os vegetais necessários à confecção do curare.


MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014. p. 99-100.

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