A
ênfase nas atividades de pesca também varia de uma sociedade para outra, e são
muitas as técnicas utilizadas para a obtenção de peixes. É muito comum, entre
os índios do Brasil, o uso de vegetais que têm a propriedade de matar ou
atordoar os peixes, como o tingui ou timbó. A pesca com tais elementos tem de
ser de caráter coletivo, visto o trabalho exigido para efetuá-la: os cipós de
timbó são cortados e amarrados em feixes; esses feixes são surrados com cacetes
e mergulhados continuamente na água, para que fique impregnada pelo suco do
vegetal. Entre os índios do alto Xingu, uma barragem é previamente construída
para fechar a saída da lagoa ou deter o curso das águas do igarapé, e os
meninos batem com varas na água para afugentar os peixes na direção da barragem,
onde a concentração do tóxico é maior. Do outro lado da barragem, são colocadas
canoas para aparar os peixes que conseguem pulá-la; quando escapam às canoas,
são abatidos a flechadas. Entre os craôs, a barragem não é construída; por
isso, o ribeirão só pode ser impregnado com timbó na estação seca, quando suas
águas são poucas e mansas; uma vez impregnada a água, as famílias vão descendo
pelas margens do ribeirão, acompanhando o suco do timbó, que desliza juntamente
com as águas. Os peixes, atordoados, imóveis, descem ao sabor da corrente. Mas
dificilmente podem ser apanhados com a mão, pois, uma vez tocados, debatem-se e
escorregam; são, por isso, fisgados com flechas de ponta de osso ou
simplesmente de pau-roxo, pois estas se prendem no peixe. [...] A flecha, uma
vez fisgado o peixe, flutua com ele e é apanhada com a presa pelo pescador. Os
peixes podem ser abatidos também a golpes de facão e depois apanhados com a
mão.
Família de botocudos atravessando um rio, Maximilian zu Wied-Neuwied
Quando
as águas são claras e mansas, é possível fisgar os peixes com flechas, sem auxílio
de entorpecentes, sendo que o pescador os espera nos lugares mais propícios,
como, por exemplo, no alto de uma árvore cujos galhos estejam por sobre as
águas e cujos frutos sejam apreciados pelos peixes.
Há
também armadilhas que podem ser utilizadas na pesca. Os índios teneteharas, por
exemplo, possuem vários tipos. Um deles é o pari; trata-se de um cesto
cilíndrico, totalmente fechado numa extremidade e, na outra, há uma abertura
afunilada que permite a entrada do peixe, mas não sua saída; é colocado no
fundo dos igarapés, com uma isca no interior. Uma outra armadilha usada pelos
mesmos índios é o mororó, também um cesto cilíndrico, mas com as duas
extremidades abertas, sendo que a inferior termina em pontas aguçadas; é usado
em águas rasas, sendo fincado no leito da corrente no momento em que passa um
cardume, retirando-se os peixes pela abertura superior. Uma terceira armadilha,
chamada igualmente pari, constitui-se de uma esteira de talos, amarrados um ao
lado do outro, tendo pontas aguçadas na parte que deve tocar o fundo do
igarapé. A cerca, flexível, é fincada no meio do igarapé à moda de labirinto,
sendo feita uma barragem entre as margens do igarapé e o pari, para induzir os
peixes a entrar no labirinto. Os índios do rio Uaupés, afluente do rio Negro,
também dispõem de armadilhas para a pesca. Uma delas é o mesmo pari de boca
afunilada dos índios teneteharas. Outra, o cacuri, é constituído por um cercado
de varetas com uma abertura que cede quando o peixe a força. Mas torna a
fechar-se pela pressão da corrente da água; Uma terceira armadilha é o cajá,
isto é, um jirau construído junto às pequenas quedas de água, de tal modo que
apare os peixes que tentam galgar a cachoeira ou segure os que são trazidos por
ela.
Índio do rio Uaupés, Décio Villares
Em
inúmeras sociedades indígenas, atualmente, é muito comum o uso de anzóis de
metal introduzidos pelos civilizados. Em algumas, tais como as do Uaupés, o
peixe pode ser conservado moqueado, isto é, assado e defumado em fogo lento
sobre uma grelha de madeira posta cerca de um metro do fogo. Fazem também a
farinha de peixe, pisando o peixe moqueado no pilão, levando-o, em seguida, ao
forno, onde é esfarinhado com a mão, até ficar completamente enxuto. O peixe
moqueado ou em forma de farinha conserva-se durante muito tempo. Os antigos tupinambás
do litoral brasileiro faziam tanto o moquém como a farinha de peixe.
MELATTI,
Julio Cezar. Índios do Brasil. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014. p. 97-9.
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