Templo de Vesta, Heinrich Bürkel
A partir do século XII, esses textos passaram a ser cada vez mais procurados e difundiu-se, a partir da Itália, a ideia de que eles representavam algo dferente da cultura contemporânea: eram a herança escrita dos antigos. Muitos pensadores, poetas, artistas e curiosos da natureza começaram a debruçar-se sobre esses textos, extraindo os livros originais das grandes compilações manuscritas. A ideia de que tinha havido um mundo "antigo", anterior ao cristianismo, com uma cultura rica e singular, difundiu-se, aos poucos, pelas cortes europeias e pelos literatos. Essa cultura laica, livre do domínio da Igreja, parecia muito adequada aos novos tempos.
Fornecia novos padrões estéticos, novas formas de pensar as relações entre sociedade e Estado, de valorizar a riqueza e o comércio, de projetar novos futuros. Com a divulgação da imprensa, no século XIV, os grandes livros do "mundo antigo" foram reeditados e voltaram à vida. Autores como Homero, Virgílio, Aristóteles, Plutarco, Tito Lívio, Tácito e muitos outros passaram a fazer parte da cultura erudita por quase todo o oeste da Europa. A queda de Constantinopla para os turcos, no século XV, acentuou a redescoberta de textos gregos, ao mesmo tempo que colocou, de forma dramática, a oposição entre a Europa cristã e clássica e o mundo islâmico.
As antigas ruínas, às quais não se prestava atenção, passaram a ser consideradas testemunhos desse mundo "antigo". Edifícios foram descritos ou desenhados, estátuas e pinturas foram resgatadas, inscrições foram copiadas, moedas foram colecionadas e formaram-se as primeiras coleções de objetos "antigos". O impacto da cultura erudita, dos sábios e das cortes europeias, foi imenso. É a esse processo que se dá o nome equivocado de Renascimento. Não foi um renascer passivo, mas uma reconstrução profunda da memória, com objetivos bem presentes: rejeitar uma parte do passado mais recente, definindo-o como "Idade Média" ou "Idade das Trevas", para construir uma nova identidade, voltada para o presente e para o futuro.
Todos os grandes cientistas e artistas da Europa moderna viveram intensamente esse processo e contribuíram para ele: Copernico, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Cristóvão Colombo, Newton, Galileu, Thomas Hobbes, Camões, Shakespeare seriam impensáveis sem os "antigos". E a lista é infindável. A opção de reconstruir essa memória deixou uma marca profunda no que viria a ser a moderna concepção de Ocidente. A criação do "antigo" foi uma verdadeira revolução cultural que, aos poucos, atingiu todas as camadas da população. O "mundo antigo" tornou-se, assim, um participante ativo e necessário de outras revoluções: políticas, sociais e econômicas, cujas consequências sentimos até hoje.
A redescoberta do mundo dos antigos não conduziu, de imediato, à produção de uma História Antiga como a entendemos hoje. Um respeito profundo pelos textos em grego e latim, assim como pela Bíblia, impedia a leitura crítica dos textos antigos. Os famosos Discursos sobre a História Universal, escritos pelo francês Jacques Bossuet no século XVII, começavam com Adão e terminavam com Carlos Magno, com o qual findava a História Antiga. Não havia, ainda, uma História científica. Essa começou a se firmar entre os séculos XVII e XVIII. Primeiramente com uma batalha cultural: a dos modernos contra os antigos. Esta se deu em todos os campos do conhecimento, das ciências e das artes. Foi o período da cultura europeia que se costuma chamar de Iluminismo.
GUARINELLO, Luiz Norberto. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013. p. 18-20.
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