Amo-te, ama-me, Sir. Lawrence Alma-Tadema
As informações que temos sobre a mulher na sociedade romana antiga se referem quase exclusivamente às famílias aristocráticas. [...]
A predominância masculina e a dominação da mulher pelo homem
nas mais variadas sociedades têm sido muito destacados pelos estudiosos. Também
a mulher romana estava submetida ao poder masculino.
No entanto, em nenhuma sociedade a dominação masculina é
total e absoluta. Existem graus e modos variados de dominação. As decisões não
são tomadas só pelos homens, e sua predominância não se efetiva em todos os
assuntos.
Na política, no trabalho, nos negócios - quer dizer, no
espaço público - o homem romano, aparentemente, decidia tudo. No entanto, em
casa, no espaço doméstico, predominava a mulher, a administradora do lar.
Mesmo na política, a mulher romana tinha uma influência
indireta, mas por vezes decisiva. Não faltam exemplos históricos de mulheres
intuitivas e inteligentes, influenciando maridos e amantes que ocupavam
posições de poder. Isso torna difícil para os historiadores saber com certeza a
origem de muitas decisões.
Para entender uma sociedade, é importante ir além das leis e
das regras sociais escritas. É preciso saber como essas leis e regras eram
aplicadas e analisar episódios históricos concretos para entender a verdadeira
posição da mulher na sociedade romana.
[...] os mitos são uma fonte importante para entendermos
valores que orientam o comportamento das pessoas em uma sociedade. O mito [...]
a seguir é um exemplo disso. Ele foi registrado pelo historiador Tito Lívio,
que também viveu na época do imperador Otávio Augusto.
A história se passa na época do primeiro rei de Roma, o
lendário Rômulo. Nesses primeiros tempos não havia mulheres em Roma - coisa só
possível em uma lenda. Então, era preciso conseguir esposas.
Os povos vizinhos, entre eles os sabinos, não estavam
dispostos a ceder suas filhas para os homens rudes e de origem incerta que
habitavam Roma. Diante dessa dificuldade, Rômulo teve a ideia de raptar
mulheres das aldeias vizinhas.
Os sabinos foram convidados para uma festa em homenagem aos
deuses. Durante os festejos os romanos raptaram as moças que vieram para as
comemorações. Após o rapto, os romanos tentaram, com a ajuda do próprio rei,
consolar as jovens raptadas. Eles só tinham cometido o rapto por necessidade
absoluta, movidos pela força da paixão e do amor. Elas seriam consideradas como
verdadeiras esposas. O carinho e a atenção dos maridos fariam com elas
esquecessem a dor, a violência e a separação das famílias.
Loucos de dor e ódio, os sabinos se prepararam para a guerra.
Logo um poderoso exército se aproximou de Roma. Os romanos saíram ao encontro
dos sabinos e travou-se um terrível combate, com muitas mortes de ambos os
lados. Em um intervalo da batalha, irrompe no campo uma procissão das jovens
esposas, que eram a causa da guerra, Com cabelos soltos e vestes em farrapos
para demonstrar o seu desespero, elas imploram para que cesse a guerra.
Sensíveis aos apelos daquelas que mais amavam no mundo, os
combatentes interromperam a luta. Por meio de um tratado, não só a paz foi
restabelecida, como os dois povos decidiram se unir.
Bem de acordo com o espírito romano, o episódio teve
consequências legais: os privilégios e as honras prometidas pelos maridos a
suas esposas foram transformados em leis. Elas não fariam nenhum trabalho pesado e
servil. Cuidariam dos filhos, fiariam a lã e administrariam o lar.
Que conclusões podemos tirar desse relato lendário? Em
primeiro lugar ele mostra que os romanos atribuíam um papel muito importante à
mulher na fundação da cidade. Roma teria nascido não apenas da coragem dos
guerreiros, mas também do amor e da compreensão das sabinas, que consentiram no
seu rapto, promovendo a união com os romanos. O mito mostra ainda que as leis
romanas, no que se refere ao casamento e aos direitos da mulher, não foram resultado
de um ato de imposição, mas sim da livre aceitação de maridos e esposas.
Outras lendas vão na mesma direção, colocando a mulher em
uma posição honrosa e quase sagrada. Muitas dessas lendas ressaltam a vocação
profética das mulheres, cuja intuição os homens não vacilavam em seguir. A mulher romana
recebia uma veneração quase religiosa. O marido e os filhos devotavam a ela
ternura, respeito e se comportavam diante dela com humildade receosa. Nas
relações entre marido e mulher, mais do que a submissão, predominavam a
cumplicidade e a colaboração.
Todavia, apesar dessa posição honrosa reservada à mulher
romana, tanto a lei como os costumes procuravam limitar o seu espaço às
fronteiras do lar. Fora de casa, sua influência se dava através da pessoa do
marido, do pai ou do irmão. O documento ¹ abaixo mostra, entretanto, que a
mulher não se conformou em ficar limitada ao ambiente do lar.
Juvenal ², o autor do documento, representando os valores da
tradicional sociedade romana, satiriza as pretensões da mulher em participar de
banquetes, de discussões intelectuais e da vida pública em geral.
Assim, as relações entre os sexos era marcada também por uma
tensão: de um lado, havia o desejo da mulher de ir além do papel determinado a
ela pela lei e pelos homens; de outro, a ação dos homens para impedir que ela
ultrapassasse esses limites.
PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos
temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 215-219.
¹ Conselhos para as mulheres [...] Ainda mais exasperada é a
mulher que, assim que se senta à mesa para um jantar, pede para falar em poesia
e poetas, quer comparar Virgílio com Homero. Não dá chances a professores,
críticos, advogados, leiloeiros ou mesmo a outra mulher. Ela faz tanto barulho
que você pensaria em panelas e potes caindo no chão de uma cozinha ou que todos
os sinos da cidade estivessem tocando ao mesmo tempo. [...] Ela deveria seguir
o ensinamento do filósofo: "a moderação é necessária mesmo para os
intelectuais". Ora, se ela realmente quer aparecer educada e eloquente,
ela que se vista como um homem, faça sacrifícios para os deuses dos homens e se
banhe nos banheiros públicos masculinos. Do meu ponto de vista, esposas não
deveriam tentar ser oradores públicos, não deveriam usar a retórica, elas não
deveriam ler os clássicos [...] Eu mesmo não entendo uma mulher que faz
citações gramaticais sem cometer um erro e cita obscuros poetas. Os homens não
se preocupam com tais atitudes. Se ela realmente quer corrigir alguém para
aparecer, que o faça com suas amigas e deixe seu marido em paz.
² Décimo Júnio Juvenal nasceu no ano de 60 depois de Cristo
e escreveu a maior parte de sua obra a partir do ano de 96. Era um autor
satírico. A sátira é um gênero literário que tem como característica criticar,
ridicularizando e ironizando, costumes, instituições e personalidades. Esse
gênero literário era bastante popular na Roma Antiga. Nessas sátiras de
Juvenal, a vítima é a mulher romana que quer fazer poesia, discutir filosofia e
participar da vida pública.
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