"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 10 de julho de 2016

"O viver em colônias" [Parte 7 - A justiça do Antigo Regime / Os Regimentos de Linha]

* A justiça do Antigo Regime. Na colônia, a justiça era exercida por toda uma gama de funcionários a serviço do rei. A violência, a coerção e a arbitrariedade foram suas principais características. Entre esses servidores, tinha destaque o capitão-mor das ordenanças, que desempenhava o papel de delegado de polícia e era o braço da lei na colônia, encarregado de punir criminosos e prevenir infrações. Além disso, detinha o poder de julgar e punir os infratores.

A violência da justiça manifestava-se nas prisões arbitrárias, nos castigos exemplares que eram ministrados aos criminosos e na aplicação da pena de morte. Os rigores da lei afetavam especialmente a população mais pobre da colônia e aqueles que não eram proprietários. Os transgressores esperavam suas sentenças durante anos a fio, frequentemente porque não podiam pagar um escrivão. A população de cor - negros forros e mestiços - era castigada com maior severidade.

Nas regiões em que a presença da Coroa era mais distante, os grandes proprietários de terras exerciam considerável autoridade administrativa e judicial. No sertão, os potentados impunham seus interesses à população livrem do alto de seus postos de coronel e capitão-mor da milícia.


Soldado do Segundo Regimento do Rio de Janeiro, 1786,  Joaquim Lopes de Barros

* Os Regimentos de Linha. As unidades militares regulares só foram introduzidas no Brasil no século XVII. O primeiro regimento de infantaria regular chegou à Bahia, em 1625, para lutar contra os holandeses. Os soldados desses regimentos, os "terços regulares", eram profissionais recrutados na metrópole. No século XVIII, para policiar a região das minas, a Coroa criou o Regimento de Dragões, que formavam um corpo profissional e eram recrutados basicamente em Portugal.

Além das tropas regulares, havia também os regimentos locais. O recrutamento desses efetivos era feito entre a população disponível. O alistamento, efetuado para suprir necessidades do momento, era um dos temores da população, pois não havia critérios para escolher quem deveria prestar o serviço militar. Os habitantes da colônia fugiam do serviço militar e do recrutamento como fugiam do pagamento do dízimo.

O anglo-lusitano Henry Koster deixou um valioso relato sobre como se processava a recruta militar em Pernambuco no início do século XIX. As prisões estavam em péssimo estado, as execuções eram poucas, e o degredo era a pena mais comum. Os quartéis encontravam-se negligenciados, os soldados de linha eram mal pagos e "recrutados entre os piores indivíduos na província". O recrutamento consistia em prender "pessoas de mau caráter", de 16 a 60 anos, e mandá-las para o Recife. "É nessa ocasião que a tirania tem o seu esplendor, que o capricho e o arbítrio se aliam e que a mais injusta parcialidade prevalece, e se executa a mais intolerável opressão." Koster ressalta os efeitos perniciosos do recrutamento, momento em que a vingança, a fraude, a "quebra de confiança" eram estimuladas. Os recrutadores, homens pobres e sem soldo, fariam melhor se tivessem "permanecido muito calmamente nos seus trabalhos, em casa, sem cometer violências ou barbaridades que realizavam se as perversas instituições do seu país não os estimulassem e ensinassem a ser turbulentos com os direitos legais das pessoas".

MOTA, Carlos Guilherme; LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 238-240.

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