Camponesas com silvado, Jean-François Millet
A vida das camponesas era regrada pela da família e dos
ritmos dos campos. Numa rígida divisão de papéis, tarefas e espaços. Para o
homem, o trabalho da terra e as transações do mercado. Para a mulher, a casa, a
criação de animais, o galinheiro e a horta, cujos produtos [...] ela vendia na
feira. De acordo com a idade e com a posição na família, elas trabalhavam no
campo por ocasião das colheitas de todos os tipos, de batatas a vindimas,
curvadas sobre a terra ou sob o peso de cargas. A velha camponesa é uma mulher
recurvada. Elas cuidavam do rebanho, das vacas, que vigiavam e ordenhavam, das
cabras, cujo leite servia para fabricação artesanal de queijo, que também era
serviço delas. [...] A camponesa é uma mulher ocupada, preocupada em vestir
(ela fia) e em alimentar os seus (autossubsistência e confecção das refeições)
e, se possível, trazer para casa um suplemento monetário a partir do momento em
que o campo se abriu para o mercado: mercado alimentar, mercado têxtil. Muito
cedo ela fia para fora ou faz rendas [...] que são buscadas nas aldeias por
estafetas. O luxo, na corte e na cidade, principalmente a partir do século
XVII, aumentou a demanda com relação às mulheres, que assim entraram no
circuito monetário.
A
fiadeira, Jean-François Millet
Esse mundo rural, cujo pilar é o casal, é muito
hierarquizado: entre os sexos (ele é o senhor); entre as mulheres. A dona de
casa reina sobre a família e os agregados. Ela toma conta das filhas,
preocupada com seus namorados e seu enxoval, modo de transmissão privilegiado
entre mãe e filha. Cuida da roupa branca, cujas lavagens constituem verdadeiras
cerimônias. Cuida dos parentes idosos, reclamando quando tem de trazê-los para
morar em sua casa. Vigia as criadas, muitas vezes às voltas com as
inconveniências dos cavalariços, ou do patrão, para ver se não estão engordando
além do normal por baixo de seus blusões ou aventais. Essas criadas, filhas de
famílias numerosas, que não podem sustentá-las nem empregá-las, pertencem à
camada mais pobre e mais exposta do mundo rural.
As
lavadeiras, Jean-François Millet
Essa vida rude tem seus ritos e seus prazeres para as
mulheres, cujo poder oculto é, com freqüência, muito forte. Ele se exerce pelo
olhar e pela palavra. Na igreja, onde elas são as mais fervorosas. Nas feiras,
onde gerenciam o comércio a varejo. Na lavanderia, as mulheres falam entre si e
lavar roupa branca é atividade propícia à confidência. Os homens temem o
burburinho das lavanderias, que operam uma espécie de censura, desfazem uma
reputação. À noite, nos momentos de vigília, as mulheres mais velhas contam
histórias e transmitem as lendas e os acontecimentos da vizinhança. Mas logo os
jovens forasteiros lhes furtam essa vantagem com seus relatos em que predominam
os rumores da cidade. [...]
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 111-2.
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