“Maria de Jesus é iletrada, mas viva. Tem a inteligência
clara e a percepção aguda. Penso que, se a educassem, viria a ser uma
personalidade notável. Nada se nota de masculino nos seus modos, antes o
possuía gentis e amáveis. [...] Nada notei de peculiar no seu procedimento à
mesa. [...] e que fume um cigarro após cada refeição. No mais, muito moderada”.
Assim a escritora inglesa Maria Graham, tutora das filhas de D. Pedro I,
descreveu uma das maiores heroínas do Brasil. Uma mulher que já foi chamada
várias vezes de Joana D’Arc brasileira. Uma guerreira que lutou pela
independência e se transformou em nome de ruas no Brasil inteiro: Maria
Quitéria.
A declaração da Maria inglesa sobre a sua xará, nascida em
27 de julho de 1792 em um sítio em Cachoeira, na Bahia, aconteceu já depois de
a Maria baiana ficar famosa. Filha de Quitéria Maria de Jesus e Gonçalo Alves
de Almeida, a menina ficou órfã de mãe aos 9 anos. O pai se casou mais duas
vezes, e a segunda madrasta deixava claro que não gostava do jeito
“independente” da menina. Era bonita, sabia montar, caçar, manejar armas de
fogo e, petulância, dançava lundus com os escravos. Não podia.
Essa semente de liberdade brotou em setembro de 1822. No dia
6, um mensageiro do Conselho Interino do Governo da Província foi à fazenda de
Gonçalo para pedir voluntários da causa da independência. O pai de Maria
Quitéria lamentou não ter filhos homens na idade de lutar, mas Maria Quitéria se
ofereceu. O pai a censurou: as mulheres são feitas para fiar, tecer, bordar.
Não Maria Quitéria.
Fugiu de casa, pegou a farda do cunhado e se apresentou como
soldado Medeiros no Regimento de Artilharia. Semanas depois, foi descoberta,
porque o pai a estava procurando. Transferida, então, para o outro batalhão,
seu uniforme agora era personalizado: tinha um saiote.
Já em fevereiro de 1823, mostrou bravura. No confronto em
Itapuã, invadiu a trincheira inimiga e fez vários prisioneiros. Em abril, na
barra do Paraguaçu, avançou mar adentro junto com outras mulheres, com a água
na altura dos seios, e impediu o desembarque de uma tropa portuguesa. Em 2 de
julho, o Exército Libertador entrou em Salvador, aclamado. Houve homenagens aos
comandantes e a Maria Quitéria de Jesus.
Por conta de sua atuação, foi recebida pelo imperador D.
Pedro I – quando se encontrou com Maria Graham – ganhando a insígnia imperial
da Ordem do Cruzeiro. Até morrer, em 1853, pobre e quase cega, recebeu um soldo
de alferes. Além das homenagens, Pedro I ainda tentou ajudá-la nos assuntos
domésticos. Enviou uma carta ao seu pai, Gonçalo de Almeida, pedindo que ele a
perdoasse. Não é fácil, mesmo, ter uma filha guerreira em casa.
Ronaldo Felli. Moça independente. In: Revista de História da
Biblioteca Nacional. Ano 9 / Nº 100 / Janeiro 2014. p. 52.
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