A imagem mais antiga de um casal homossexual encontrada no
túmulo de dois manicuros da V dinastia: Niankh-Khnum e Khnum-Hotep. Pintura
mural numa mastaba de Sakara, datada de cerca de 2450 a .C.
Segundo parece, o incesto não era o único tabu ancestral que
se desprezava nos palácios reais de Tebas ou de Mênfis. É provável que certos
serviços cortesãos, como o de cabeleireiro, maquilhador ou manicuro fossem
exercidos por homens homossexuais (o que explicaria o seu [...] vínculo aos
ritos funerários, na delicada função de limpar os cadáveres embalsamados). Em
1964, houve um achado nas ruínas da necrópole de Sakara que contribuiu
decisivamente para reforçar esta hipótese. O arqueólogo egípcio Ahmed Moussa
dirigia uns trabalhos nas proximidades da pirâmide de Unas, quando descobriu
uma série de passagens funerárias escavadas numa encosta escarpada. Informou da
descoberta o seu superior, o professor Mounir Basta, que entrou de gatas por
uma das estreitas passagens. Quase à beira de desfalecer, foi dar a uma câmara
mortuária com um fresco pintado no único muro não desmoronado. A pintura
mostrava dois homens jovens olhando-se de perfil, com os narizes a tocar-se, as
bocas muito próximas. Um deles apoiava afectuosamente uma mão no ombro do
outro, que por sua vez lhe pegava no pulso oposto. O arqueólogo-chefe decidiu
chamar "Os irmãos" a tão valiosa descoberta.
Mas, quando reparavam o caminho que levava à pirâmide, os
trabalhadores desenterraram uma série de placas murais com inscrições e
desenhos de estilo semelhante ao de "Os irmãos". Ao terminar os
trabalhos, Basta e Moussa contavam com material suficiente para reconstruir
quase por completo o que era uma mastaba, um túmulo em forma de pirâmide
truncada. As numerosas pinturas estavam em relativo bom estado e os frisos com
hieróglifos quase intactos. Os arqueólogos puderam, assim, concluir que o
sepulcro tinha sido construído por volta do ano 2450 a .C., durante a V
dinastia, por ordem de um servidor do faraó Niuserré chamado Niankh-Khnum que,
conforme explicava uma inscrição por baixo do revelador fresco, era "chefe
dos manicuros no palácio real". A construção estava destinada a ser o seu
próprio túmulo, repartido com o seu colega e amigo íntimo Khnum-Hotep, que era
o outro rapaz que o olhava de perfil. Além disso, a inscrição do frontispício
reunia os nomes de ambos em Niankh-Khnum-Hotep, que significa algo como
"unidos na vida e na morte".
O professor Basta começou a pensar que talvez se tivesse
equivocado ao atribuir o abraço dos jovens ao afecto fraternal. Confirmou a sua
suspeita comparando o desenho com as figuras que apareciam no próprio túmulo e
com outras da mesma época. Em todas elas, a atitude carinhosa que os manicuros
demonstravam correspondia à dos casais unidos pelo casamento, cujos membros
eram também os únicos que se olhavam tão próximos um do outro. As figuras
masculinas que representavam irmãos ou companheiros nem sequer se tocavam e
mantinham o estilo hierático próprio da arte egípcia: o tronco de frente e a
cabeça e as pernas de perfil, orientadas no mesmo sentido.
A imagem de Niankh-Khnum e Khnum-Hotep percorreu o mundo
como a mais antiga representação artística de um casal homossexual e, desde
então, a mastaba de Sakara tem sido visitada por milhares de turistas das mais
variadas procedências e tendências.
TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Editorial
Estampa, 2006. p. 27-8.
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