Apolo amava apaixonadamente um jovem chamado Jacinto.
Acompanhava-o em suas diversões, levava a rede quando ele pescava, conduzia os
cães quando ele caçava. Certo dia, os dois divertiram-se com um jogo e Apolo,
impulsionando o disco, com força e agilidade, lançou-o muito alto no ar.
Jacinto contemplou o disco e, excitado com o jogo, correu a apanhá-lo, ansioso
por fazer a sua jogada, mas o disco saltou na terra e atingiu-o na testa. O
jovem caiu desmaiado. O deus, pálido como Jacinto, ergueu-o e tratou de aplicar
toda a sua arte para estancar o sangue e conservar a vida que se esvanecia, mas
tudo em vão: o ferimento estava além dos poderes da medicina. Como um lírio,
cujo haste quebrou-se num jardim, curva-se e volta para a terra suas flores,
assim a cabeça do jovem moribundo, como se tivesse se tornado muito pesada para
o pescoço, pendeu sobre o ombro.
- Morreste, Jacinto - exclamou Apolo -, roubado por mim de
tua juventude. O sofrimento é teu, e meu o crime. Pudesse eu morrer por ti!
Como, porém, isso é impossível, viverás comigo, na memória e no canto. Minha
lira há de celebrar-te, meu canto contará teu destino e tu te transformarás
numa flor gravada com minha saudade.
Enquanto Apolo falava, o sangue que escorrera para o chão e
manchara a erva deixou de ser sangue; uma flor de colorido mais belo que a
púrpura tíria nasceu, semelhante ao lírio, com a diferença de que é roxo, ao
passo que o lírio é de uma brancura argêntea. E isso não foi bastante para
Febo. Para conferir ainda maior honra, deixou seu pesar marcado nas pétalas, e
nelas escreveu "Ai! Ai!", como até hoje se vê. A flor tem o nome de
jacinto e, sempre que a primavera volta, revive a memória do jovem e lembra o
seu destino.
Conta-se que Zéfiro (o vento oeste), que também amava
Jacinto e tinha ciúme da preferência de Apolo, desviou o disco de seu rumo para
fazê-lo atingir o jovem. Keats faz alusão a isso no "Endimião",
quando descreve os espectadores do jogo de argolas:
Contemplam os jogadores dos dois lados
Lembrando, ao mesmo tempo,
A sorte de Jacinto, quando o sopro,
De Zéfiro o matou;
De Zéfiro que, agora, penitente,
Quando Febo se eleva
No céu, as pétalas da florzinha beija.
Também no "Lycidas", de Milton, há uma alusão ao
jacinto:
A roxa flor que traz a dor impressa.
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de
deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 75-76.
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