Masturbação, 1911, Mihály Zichy
Quando se apagam as luzes do dormitório, um jovem regente,
responsável por vigiar os outros estudantes, toma sua posição estratégica.
Enquanto finge dormir, observa atentamente as atitudes do suspeito, numa cama
próxima. Algum tempo depois, começam os movimentos característicos e a
respiração "frequente e suspirosa". Está armado o flagrante.
Silenciosamente, o regente levanta-se, aproxima-se da cama e surpreende o
estudante no meio da manobra. Dá início, então, ao escândalo. Os pensionistas
acordam sobressaltados e, sentados em seus leitos, testemunham o sermão público
contra aquelas "imundas práticas". "Confuso e envergonhado, o
delinquente agradece os bons conselhos" e promete deixar para trás a
masturbação.
A cena aconteceu no Seminário de Diamantina, provavelmente
no início de 1860, em
Minas Gerais , e foi uada como exemplo pelo médico João da
Matta Machado em 1875. Ele ensinava que, se houvesse fortes suspeitas de
masturbação contra um interno do colégio, deveria ser provocada a
"confissão de delito" ou a acusação direta. E se esses meios se
mostrassem ineficazes, não se poderia hesitar em utilizar o recurso extremo de
surpreender o colegial em "flagrante delito" e expô-lo ao escárnio
dos colegas.
Jovem
sendo penetrado. Os outros três homens se masturbam. Miniatura otomana do
livro Sawaqub al-Manaquib, século XIX, Artista desconhecido
A prática do onanismo entre alunos de internatos era uma
preocupação e objeto de estudo de muitos médicos no século XIX. Para eles, a
vida reclusa contribuía para propagar e agravar a prática das "manobras
secretas" entre os meninos e as meninas. Para reprimir o "terrível
inimigo" entre os colegiais, os médicos indicavam um conjunto de
"regras higiênicas" direcionado aos diretores dos colégios, aos
professores e às famílias.
Na tese A libertinagem e seus perigos relativamente
ao físico e moral do homem, publicada em 1853, o médico Marinonio de
Freitas Britto registrou que a masturbação estava muito difundida entre os
meninos e os moços na cidade de Salvador. Segundo ele, os indivíduos afeitos à
masturbação alegavam que esta era uma forma de saciar seus prazeres sexuais sem
o perigo de contraírem a sífilis. No mesmo ano, o dr. Sulpício Germiniano
Barroso também alertou para a prática generalizada e de efeitos assustadores
que muitas vezes requeriam intervenção médica. "A julgar pela minha
própria experiência, em dez masturbadores em quem a saúde se alterou imediata
ou consecutivamente pode-se contar nove que se perderam no colégio ou em um
internato", reforçou em 1858 o dr. Antenor Augusto Ribeiro Guimarães. No
Rio de Janeiro, João da Matta Machado dizia-se espantado, em 1875, com o
desleixo dos educadores diante das "manobras secretas" entre
colegiais.
Satisfação
de si mesmo, Egon Schiele
Diante desse que foi considerado um problema de saúde
pública, a medicina tentava fazer a sua parte. "Regras higiênicas"
eram indicadas para extinguir ou prevenir o aparecimento da masturbação nos
internatos. O receituário do dr. José Bonifácio Caldeira de Andrada Junior, por
exemplo, recomendava: não aceitar no internato adolescente de costumes e
hábitos suspeitos; proibir a leitura de livros eróticos e as conversas
levianas; dividir os dormitórios de acordo com as idades (pequenos, médios e
grandes); proibir o diálogo muito livre entre os alunos internos e os externos;
prevenir o aparecimento precoce da sensualidade por meio de exercícios físicos;
abolir alimentos excitantes; repreender ou expulsar do colégio o masturbador,
segundo a gravidade do "crime"; e medicar os que necessitavam de
cuidados médicos.
Era importante identificar os estudantes masturbadores a fim de reprimir,
evitar o "contágio" e as consequências do "vício
execrando". A "campanha antimasturbatória" era fundamentada na
moral religiosa e reproduzia ensinamentos contidos em obras de médicos
europeus, como o famoso tratado Do onanismo ou das doenças decorrentes
da masturbação, escrito em 1758 pelo suíço Samuel Tissot. Este tipo de
literatura denunciava o prazer solitário como capaz de provocar "não
apenas as piores doenças, mas também as piores deformidades do corpo e, por
fim, as piores monstruosidades do comportamento", nas palavras do filósofo
Michel Foucault (1926-1984).
Eros.
Homem se masturbando, Egon Schiele
Influenciados por esses argumentos, os médicos brasileiros
listavam uma série de danos decorrentes da prática da masturbação. Mencionavam,
entre outros, a magreza, a palidez, o encovamento dos olhos, salivações
abundantes, vômitos, estatura diminuída e curvada para diante. Em relação ao
comportamento, os onanistas tornavam-se tímidos, melancólicos, indolentes,
buscando sempre o isolamento. No intelecto, o vício ocasionaria a completa
estupidez e idiotismo, resultando na incapacidade para o exercício de qualquer
atividade ou profissão que exigisse a mínima concentração.
O opróbrio (vergonha pública) completava o quadro deplorável pintado pelos
médicos, como descrito de forma dramática na tese Generalidades acerca
da educação física dos meninos (1846), de autoria do dr. Joaquim Pedro
de Mello: "Os indivíduos que têm a infelicidade de se lançarem a tão torpe
vício [...] trazem em seu semblante, em todo o seu corpo, e tão bem em sua
inteligência estampada a ignominiosa marca, que a todos denuncia a sua
lastimável paixão".
Masturbação
feminina. Shunga, 1824, Katsushika Hokusai
Drasticamente, os médicos também consideravam a masturbação
como capaz de causar ou contribuir para o aparecimento de doenças como a
tuberculose e a epilepsia. "Abusos de toda espécie, os excessos venéreos,
a masturbação e a sífilis são causa de tísica pulmonar", afirmou o dr.
Candido Teixeira de Azevedo Coutinho em tese defendida no Rio de Janeiro em
1857. Da mesma forma, Miguel Antonio Heredia de Sá, em Algumas
reflexões sobre a cópula, onanismo e prostituição do Rio de Janeiro (1845),
procurou explicar como se dava a manifestação da tuberculose nos indivíduos que
buscavam o prazer sozinhos: as pessoas "dadas desde a tenra infância à
masturbação têm o tórax acanhado e incompletamente desenvolvido, contém quase
sempre, ou sempre, catarros crônicos, e afecções mais ou menos profundas do
órgão pulmonar, que repetindo-se termina na tísica".
Na tese, o dr. Heredita de Sá registra o caso de um menino epilético e já
idiota pelos efeitos do onanismo. Internado no Hospital da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro, o rapaz apresentava na expressão da face
"o vício e o padecer; teria ao muito doze anos; seu corpo era franzino e
atrofiado, mas os órgãos genitais eram prodigiosos e tão completamente
desenvolvidos como se fossem de um homem". O dr. Sulpício Germiniano
Barroso, por sua vez, estava certo de que a epilepsia era uma afecção nervosa
que, apesar de ter também outras causas, manifestava-se nos indivíduos apegados
à masturbação. Para ilustrar, o médico descreve o caso de um rapaz que se
entregou ao vício e acabou contraindo a doença: "todas as vezes que tinha
poluções era acometido imediatamente do ataque, e a mesma coisa sucedia quando
se masturbava: os acessos foram repetindo-se com tal intensidade que o
indivíduo morreu em um deles".
A chegada do século XX não fez desaparecer o alardeio repressivo contra a
prática da masturbação entre internos de colégios. Em 1927, a médica Ítala Silva
de Oliveira, em sua tese Da sexualidade e da educação sexual,
alertou para a proliferação do vício que, segundo ela, campeava na penumbra dos
dormitórios dos internatos. Mas na mesma época já havia médicos que se
afastavam da tese dominante, que condenava a prática da masturbação, também
agora influenciados pelas novas correntes de estudo europeias. O dr. Oscar
Bastos Rabello, por exemplo, lembrou em sua tese de 1920 que o médico suíço
Auguste Henri Forel (1848-1931) não via mal na prática. Se espaçada, higiênica
e moderada, não havia qualquer base na medicina para condenar a masturbação.
Nos internatos, dali para frente, a perseguição ao onanismo seria
fundamentalmente religiosa.
Joaquim Tavares da Conceição. Vício solitário. In: Revista de História
da Biblioteca Nacional. Ano 10 / Nº 112 / Janeiro 2015. p. 50-53.
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