Abril de 1500. Parte dos homens que estavam na esquadra de
Cabral e desembarcaram nas terras avistadas surpreendeu-se com a natureza
exuberante que se estendia por toda a parte. Tudo era diferente do que estavam
acostumados e vários foram os estranhamentos relatados na carta feita por Pero
Vaz de Caminha ao rei português. A contar pelo número de vezes em que o
escrivão fez referências aos corpos indígenas, este parece ter sido um dos mais
impactantes. Apesar do espanto pela nudez, acreditaram que seria um corpo sem
pecado, porque tais seres não conheciam a maldade. Chegaram a essa rápida
conclusão apenas observando seus corpos e comportamentos.
Marabá, João Batista da Costa
Logo no início da carta, após relatos de aspectos da viagem
e do desembarque, há referência aos índios e a seus corpos. Foram descritos
como pardos que viviam nus, não possuíam nada que cobrisse "suas
vergonhas" e não se sentiam encabulados com isso, pelo contrário: eram de
"grande inocência". Para eles, como não era importante cobrir seus
rostos, não fazia a menor diferença tampar ou não seus corpos, situação
constrangedora e aflitiva para os europeus, os quais, assim, trataram logo de
entregar aos índios algumas peças de vestuário. A carta segue explicitando que
havia sido oferecido a eles um barrete vermelho, uma carapaça de linho e um
sombreiro preto, curiosos objetos que serviam tão somente para cobrir as
cabeças. Apenas depois dos primeiros encontros foram ofertadas roupas propriamente.
Moema, Pedro Américo
As informações sobre aquelas pessoas "exóticas"
eram sempre voltadas para seus corpos. Os navegantes tentavam, de formas
diferentes, demonstrar para aquele grupo que deveriam cobrir suas
"vergonhas", em vão.
O cronista relata que, no momento da missa, deram um pano
para que uma índia que estava por perto pudesse se cobrir. Todavia, parece que
ela não viu sentido naquilo e, ao se sentar, não tomou os devidos cuidados em
esconder partes de seu corpo. Ainda que a nudez feminina incomodasse os europeus,
também lhes proporcionava momentos de satisfatórias comparações com as mulheres
da Europa e elas, as índias, ganhavam na disputa. Comentando sobre uma jovem
nativa em particular, Caminha afirmou que era
tão bem-feita e tão-redonda, e sua vergonha tão graciosa,
que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, envergonharia,
por não terem as suas como as dela.
O relato também fazia referência a outros aspectos culturais
ligados aos corpos indígenas, entre os quais os cabelos, descritos como
corredios, cortados e enfeitiçados, a pintura e o uso de objetos identificados
como adornos. Com relação à pintura corporal, informava que eles usavam preto e
vermelho nos troncos e nas pernas e que variava de pessoa para pessoa ou
conforme o gênero. Já sobre o uso de adornos, o cronista descreveu que
enfeitavam os lábios inferiores dos índios, o que não os impedia de comer,
beber ou falar.
Marcia Amantino. E eram todos pardos, todos nus, sem coisa
alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. In: PRIORE, Mary Del; AMANTINO,
Marcia. História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp,
2011. p. 15-6.
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