"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 2 de agosto de 2016

A sala de banho, um reduto burguês

Desde as termas particulares das villas romanas, o gosto pelas abluções a domicílio nunca abandonou o Ocidente. A Idade Média apreciava as viagens: o banho era o primeiro gesto de polidez para com o hóspede. Fosse ao mensageiro vindo de longe, como em Tristão e Isolda, ou a um convidado que se desejasse homenagear. Em 1467, Jehan Dauver, por exemplo, primeiro presidente do Parlamento de Paris, preparou quatro banheiras para a rainha Charlotte e seu séqüito, que convidou para jantar.

Aparentemente, o pudor parecia desprovido dessa polidez, no início. No castelo como na cabana, não havia salas de banho. Nenhuma intimidade era prevista: a tina era levada ao quarto e uma prancha, colocada de atravessado, servia de mesa para dispor os objetos necessários.

Na segunda metade do século XVI, foi a arte que por sua vez se ocupou do tema. Os quadros de “damas no banho” estavam na moda. Seria um agrado destinado aos maliciosos? A linguagem, em todo caso, parece cifrada: as jóias, sobretudo os anéis, os espelhos, as flores, a empregada ao fundo, são constantes que aparecem nos cerca de 40 quadros conservados. O de Gabrielle d’Estrées (condessa de Beaurmont e amante de Henrique IV) e de sua irmã é o mais famoso, mas devem ter havido outros: a acreditarmos em Brantôme, mesmo na época eles teriam chocado. O pudico século XVII destruiu um bom número deles.

Gabrielle d'Estrées e uma de suas irmãs, 1595: típico quadro "damas no banho". Artista desconhecido.


O século XVIII recuperou o convívio dentro da banheira. Ali, os grandes recebiam, tanto quanto o faziam em sua cadeira sanitária ou na cama, mas unicamente pessoas de condição inferior, pois o pudor era então hierarquizado. Eram as mulheres, em especial, que gostavam de receber socialmente dentro da banheira. O cardeal de Berris, embaixador em Roma, tratou de distrair dessa forma a senhora de Genlis, hospedada na Cidade Eterna. Por vezes, ia acompanhado de seu jovem sobrinho. Mas o pudor era no entanto preservado: a água do banho era turvada por cerca de um litro de leite.

Esse hábito cessou pouco a pouco no século XIX, na época em que a sala de banho ganhou as residências burguesas.

Jean-Claude Bologne, filólogo e historiador.

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