Há dois mil anos, membros da elite de grandes impérios como
o de Roma não se preocupavam apenas com poder e conquista. Como todas as
elites, também encontravam tempo para o prazer e para a arte. Este objeto
incorpora as duas coisas. É uma taça de prata feita na Palestina, por volta de
10 d.C. [...]
A Taça de Warren mostra cenas de união sexual entre homens
adultos e rapazes adolescentes. Esta peça de prataria romana, de dois mil anos
de idade, é um cálice que parece capaz de comportar o conteúdo de uma taça
muito grande de vinho. [...] Deve ter sido usada em festas particulares, e,
levando em conta o tema, certamente atraía a atenção e despertava a admiração
de todos os presentes.
Comer e beber abundantemente eram rituais importantes do
mundo romano. Em todo o império, funcionários romanos e mandachuvas locais
usavam banquetes para azeitar as engrenagens da política e dos negócios e para
ostentar riqueza e status. As mulheres romanas costumavam ser excluídas de
eventos como as bebedeiras das quais nossa taça faria parte, e talvez seja
lícito supor que nosso objeto se destinava a festas com listas de convidados
compostas apenas por pessoas do sexo masculino.
Imaginemos um homem chegando a uma grande vila perto de
Jerusalém por volta do ano 10. Escravos conduzem-no por uma opulenta área de
jantar, onde ele descansa com outros convidados. A mesa está servida, com
bandejas de prata e taças enfeitadas. É nesse contexto que nossa taça seria
passada de um convidado para outro. Nela duas cenas de sexo entre homens são
ambientadas numa residência particular suntuosa. Os amantes são mostrados em
sofás forrados, semelhantes àqueles em que repousariam os convidados de nosso
jantar imaginário. E veem-se uma lira e flautas prontas para começarem a tocar
quando os participantes se instalarem para desfrutar seus prazeres sensuais.
Bettany Hughes, historiadora e apresentadora, discorre a respeito:
A taça mostra duas variedades de ato homossexual. Na frente
há um homem mais velho - sabemos que é mais velho porque tem barba; sentado
sobre ele, de pernas abertas, está um jovem muito bonito. É tudo muito vigoroso
e viril, muito realista - não é uma visão idealizada da homossexualidade.¹ Mas
se olharmos a parte de trás veremos uma representação mais tradicional. Mostra
dois belos jovens - sabemos que são jovens porque cachos de cabelos lhes caem
pelas costas. Um está deitado de costas, e o outro, um pouco mais velho, afasta
o olhar. É muito mais lírica, uma visão bastante idealizada do que era a homossexualidade.²
¹ Lado A
da Taça de Warren: um homem adulto e um jovem; um menino escravo atrás da porta
espia os amantes
Embora as cenas homossexuais na taça hoje nos pareçam
explícitas - para alguns, chocantes e proibidas -, a homossexualidade era parte
da vida romana. Mas era uma parte complicada, tolerada, e não inteiramente
aceita. A linha de conduta-padrão entre os romanos, sobre o que era admissível
em uniões entre pessoas do mesmo sexo foi definida com clareza pelo teatrólogo
Plauto na comédia Caruncho: "Ame o que lhe aprouver, desde que fique longe
de mulheres casadas, viúvas, virgens, jovens rapazes e meninos de
família."
Portanto, se quiséssemos mostrar sexo entre homens e jovens
que não fossem escravos, faria sentido buscar inspiração nos tempos da Grécia
Clássica, em que era normal homens mais velhos ensinarem meninos sobre a vida
em geral, numa relação de mentor-pupilo que incluía sexo. O império romano em
seus primórdios tinha idealizado a Grécia e adotado boa parte de sua cultura, e
a taça mostra o que é, sem dúvida, uma cena grega. Seria uma fantasia sexual
romana sobre uma união sexual entre homens na Grécia Clássica? É possível que,
situando-a em um passado grego, qualquer desconforto moral seja mantido a uma
distância segura, ao mesmo tempo que dá um tempero extra à excitação do
proibido e do exótico. E talvez todo mundo ache que o melhor sexo sempre
acontece em outro lugar.
[...]
Não há dúvida sobre onde esses encontros ocorrem. Os
instrumentos musicais, a mobília, as roupas e os penteados dos romanos - tudo
aponta para o passado, a Grécia Clássica de séculos antes. Curiosamente,
podemos saber, pela taça, que os dois jovens mostrados aqui não são escravos. O
estilo dos penteados, com um longo cacho caindo pelas costas, é típico de
meninos gregos nascidos livres. Entre os dezesseis e os dezoito anos, o cabelo
é cortado e dedicado aos deuses, como parte da passagem para a idade adulta.
Portanto, ambos os meninos mostrados na taça são livres e de boas famílias. Mas
também podemos ver outra figura, que pode ter participado do banquete romano no
qual a taça era usada. Está no fundo, espiando uma das cenas de sexo atrás de
uma porta - só vemos parte de seu rosto. É, sem dúvida, um escravo, embora seja
impossível saber se está apenas se entregando a um ato de voyeurismo ou se
atende, muito apreensivo, a um pedido de "serviço de quarto". Seja
como for, nos faz lembrar que o que ele e nós testemunhamos são atos a serem
praticados apenas em particular, a portas fechadas. Bettany Hughes comenta:
Em Roma havia a noção de que os homens tinham boas esposas e
não deveriam recorrer ao sexo com outros homens. Mas sabemos, pela poesia,
pelas leis, por referências a relações homossexuais, que isso de fato acontecia
em todo o mundo romano. A Taça de Warren é um bom fragmento de indício material
que comprova isso. Ele nos diz o que de fato ocorria, nos conta que a atividade
homossexual era algo que acontecia em altos círculos aristocráticos.
[...] esta tolerante peça de jantar situa seu dono
firmemente nas altas camadas da sociedade, o mundo que São Paulo condenava com
eloquência pela embriaguez e fornicação.
Mac GREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2013. p. 267-72.
Oi Professor Orides,
ResponderExcluirFoi muito bom reencontra-lo. Muito interessante o seu blog - Parabens!
Segue o blog onde eu contribuo http://www.tsp-uk.co.uk/author/domingos/
Grande abraco
Boa noite Domingos. Que bom que gostou do blog. Volte a visitá-lo sempre. Vou seguir o blog onde você escreve. Um abraço.
Excluir