Menino escravo em Zanzibar.
Ca. 1890. Fotógrafo desconhecido
A forma mais elementar de analisar as diferenças físicas se baseia na pigmentação da pele, que é o mais fácil de se observar. Por esta razão, as "raças" tradicionais eram identificadas por cores. Seus membros eram brancos, negros, amarelos, peles vermelhas ou mais ou menos obscuros (as cores das argolas olímpicas respondem, em alguma medida, a esta tipologia, estabelecendo uma caracterização "racial" dos cinco continentes tradicionais). Porém, a verdade é que as cores da pele são pouco definidas e que, entre o "branco", que é bastante discutível que seja branco e o "negro", que por vezes é muito negro, há muitos matizes e variações que tornam praticamente impossível dizer onde acaba um e começa o outro. E mais, a percepção da cor é também "histórica": os viajantes europeus consideravam brancos tanto os habitantes da China como os do Japão até o século XVIII. Foi, então, no momento em que nasceu o mito do atraso oriental, que se passou a considerá-los "amarelos". Porém, são mais amarelos que uma grande porcentagem dos europeus?
A pigmentação dos homens que vivem nas zonas equatoriais é mais escura porque estes têm uma pele que resiste melhor às queimaduras, provocadas pela intensa exposição ao sol. Esta resistência é adquirida graças à melanina (nós mesmos, "brancos", nos "escurecemos" quando, no verão, nossa pele se expõe ao sol). O negro resiste muito melhor à insolação das zonas em que vive e sua pele escura é uma característica positiva. As pessoas de pele muito "branca", que frequentemente têm os cabelos loiros, padecem quando se expõem ao sol e têm menor capacidade visual na escuridão. Não parece, pois, que isto seja uma amostra de superioridade, mas o contrário. Porém, não impede que o preconceito faça que a palavra "fair" signifique além de "ruivo" - que não é uma cor, mas a ausência de cor nos cabelos -, "belo, de forma ou aparência agradável, elegante, atrativo, justo, impecável etc." Afora isto, convém recordar o fato perturbador de que [...] os estudos sobre as origens do homem, baseados na genética, mostram que todos somos descendentes de algumas primeiras mulheres africanas, previsivelmente negras.
Um mercado de escravos em Roma
Jean-León Jérôme
As tentativas de legitimar a superioridade racial levaram a buscar outros argumentos baseados nos traços biológicos, como o peso do cérebro, porém a inteligência não está relacionada ao peso da massa encefálica [...]. Desta espécie de racismo, nasceu o mito que sustenta que há duas formas de inteligência: a do homem primitivo, que seria prelógica, favorável às associações de ideias da natureza mágica etc., e a racional, do homem branco. Pretensão desmentida não somente pela história - por fatos como a dedicação de Newton à Astrologia -, mas pela irracionalidade cotidiana que domina nosso mundo (o governo norte-americano manteve, durante 20 anos, um programa de investigações paranormais com fins militares, por um custo de milhões de dólares e, como é lógico, sem nenhum resultado prático).
Da educação de que os outros são inferiores, uma espécie de ser intermediário entre o homem e a besta, nasceu a justificativa da escravidão, uma das instituições humanas mais antigas, já que existe desde o Neolítico, e mais persistentes. Os primeiros documentos legais que se conhece fazem referência à venda de escravos. A primeira menção escrita da escravidão aparece no UrNammu, o mais antigo dos códigos conhecidos, e no de Hamurabi, os homens se dividem em livres, dependentes e escravos, com regras e leis diferentes para cada um dos grupos. A escravidão é um fenômeno quase universal nas sociedades organizadas: os únicos que não a conhecem são os caçadores-coletores, como os indígenas australianos. Os gregos e os romanos a consideravam normal - aos gregos, agradava assistir ao espetáculo de tortura dos escravos -, era abundante na Ásia e muito importante na África onde era a forma normal de propriedade, em lugar da terra (os escravos eram, além disso, necessários para o transporte devido à falta de animais de carga).
Mercado de escravos em Roma
Jean-León Jérôme
Da educação de que os outros são inferiores, uma espécie de ser intermediário entre o homem e a besta, nasceu a justificativa da escravidão, uma das instituições humanas mais antigas, já que existe desde o Neolítico, e mais persistentes. Os primeiros documentos legais que se conhece fazem referência à venda de escravos. A primeira menção escrita da escravidão aparece no UrNammu, o mais antigo dos códigos conhecidos, e no de Hamurabi, os homens se dividem em livres, dependentes e escravos, com regras e leis diferentes para cada um dos grupos. A escravidão é um fenômeno quase universal nas sociedades organizadas: os únicos que não a conhecem são os caçadores-coletores, como os indígenas australianos. Os gregos e os romanos a consideravam normal - aos gregos, agradava assistir ao espetáculo de tortura dos escravos -, era abundante na Ásia e muito importante na África onde era a forma normal de propriedade, em lugar da terra (os escravos eram, além disso, necessários para o transporte devido à falta de animais de carga).
Escravos trabalhando numa mina.
Pintura em vaso corintiano. Século V a.C.
A distinção que se estabelece com maior frequência no estudo da escravidão é a que existe entre a doméstica (o escravo como servente da casa) e a produtiva (o escravo como trabalhador forçado numa plantação, mina ou manufatura). Porém, esta diferença é mais formal do que real, porque pode-se passar de uma condição a outra facilmente (a imagem agradável da vida dos escravos domésticos norte-americanos, oferecida pela literatura e pelo cinema, serve para esconder a realidade da vida na plantação).
[...] os escravos eram abundantes na Grécia e em Roma. Seguiram sendo com o cristianismo, que não se culpava por isso: há textos , nas cartas de São Paulo, que não só os admitem, mas que dizem: "Escravos, obedecei a vossos amos". E Santo Agostinho escreveu: "A primeira causa da escravidão é o pecado que submeteu o homem ao jugo do homem e isto não foi feito sem a vontade de Deus, que ignora a iniquidade e soube repartir as penas como pagamento dos culpados". Se bem que a libertação fosse considerada como uma ação piedosa, a Igreja era um dos grandes proprietários de escravos. Na Espanha visigótica, por exemplo, o Concílio de Toledo afirmou que uma igreja rural não podia manter um cura por tempo integral se não tivesse, no mínimo, dez escravos a seu serviço (e, com somente dez, era classificada de "paupérrima"). Entre 567 e 700 desde Leovegildo até Égica, 46% das leis dos visigodos que são conhecidas, referem-se a escravos. A lei sálica fixava que a compensação a ser dada pelo roubo de um escravo deveria ser do mesmo valor pago por um boi, porém menos do que por um cavalo. As leis determinavam que um homem caísse em escravidão por dívidas, quando não pudesse devolver o que se lhe havia emprestado e permitiam que os pais vendessem os filhos de até 14 anos como escravos (depois desta idade, era necessário o consentimento do filho).
O mercado de escravos
Jean-León Jérôme
[...] os escravos eram abundantes na Grécia e em Roma. Seguiram sendo com o cristianismo, que não se culpava por isso: há textos , nas cartas de São Paulo, que não só os admitem, mas que dizem: "Escravos, obedecei a vossos amos". E Santo Agostinho escreveu: "A primeira causa da escravidão é o pecado que submeteu o homem ao jugo do homem e isto não foi feito sem a vontade de Deus, que ignora a iniquidade e soube repartir as penas como pagamento dos culpados". Se bem que a libertação fosse considerada como uma ação piedosa, a Igreja era um dos grandes proprietários de escravos. Na Espanha visigótica, por exemplo, o Concílio de Toledo afirmou que uma igreja rural não podia manter um cura por tempo integral se não tivesse, no mínimo, dez escravos a seu serviço (e, com somente dez, era classificada de "paupérrima"). Entre 567 e 700 desde Leovegildo até Égica, 46% das leis dos visigodos que são conhecidas, referem-se a escravos. A lei sálica fixava que a compensação a ser dada pelo roubo de um escravo deveria ser do mesmo valor pago por um boi, porém menos do que por um cavalo. As leis determinavam que um homem caísse em escravidão por dívidas, quando não pudesse devolver o que se lhe havia emprestado e permitiam que os pais vendessem os filhos de até 14 anos como escravos (depois desta idade, era necessário o consentimento do filho).
A escravidão rural, predominante no mundo antigo, desapareceu em torno do ano 1000, sendo substituída pela servidão, que prendia o homem à terra. Continuava a haver, entretanto, escravos, sobretudo urbanos: domésticos ou utilizados como trabalhadores de ofícios. A maior parte dos que eram vendidos na Europa medieval era denominada de "eslavos" (é, nesse momento, que se difunde a forma sclavus para designar o que, em latim, se chamava servus), como reflexo de seus locais de procedência, que eram as colônias genovesas e venezianas do mar Negro, porém não eram apenas eslavos, mas turco-mongóis ou caucasianos.
Os mongóis na Hungria,1285.
Os mongóis desmontados, com
mulheres capturadas, estão à esquerda, os húngaros, com uma mulher salva, à
direita
Nos séculos XV e XVI, a procedência predominante dos escravos alterou-se e venderam-se grandes quantidades de escravos africanos na Europa. No norte da África, havia tantos negros que os europeus acreditavam que todos os seus habitantes o eram (por este motivo Shakespeare fez de Otelo, que era "mouro", um negro). Em Sevilha, eram tão numerosos que se dizia que seus habitantes eram como "as casas do xadrez", tantos brancos quanto negros. Era exagerado: em Lisboa, onde havia tantos quanto em Sevilha, representavam 10% da população. A presença da população negra nestas cidades não se manteve significativa devido , principalmente, ao fato de que os negros se reproduziam pouco e seus filhos apresentavam uma taxa de sobrevivência muito baixa (num mundo em que apenas sobrevivia uma criança em cada três, no do escravo, talvez não sobrevivesse um em cada cinco dos seus filhos).
Ao contrário do que se pensa, entretanto, a escravidão não foi um fenômeno da Antiguidade e da Idade Média. Sua idade de ouro são os tempos modernos. [...] a mão-de-obra escrava foi força de trabalho essencial da agricultura de plantação que produzia café, algodão e açúcar. Entretanto, esta escravidão "moderna", ainda que se baseasse, como a antiga, na crença de que o escravo era inferior ao homem livre por inteligência e por caráter, era, em muitos sentidos, um fenômeno novo.
A velha plantação
(Escravos dançando em uma plantação de
Carolina do Sul), c. 1785-1895. Atribuída a John Rose
A escravidão "moderna" envolveu grandes grupos de homens, transportados através do Atlântico em um comércio da morte - "uma mercadoria que morre tão facilmente", como disse um alto funcionário português -, que destinava os escravos a atividades que consumiam , rapidamente e em grandes proporções, as vidas humanas. Se em todo o processo, que ia desde a captura no interior da África, até o desembarque na América, morria, geralmente, a metade dos escravos em sua adaptação às novas condições de vida e de trabalho, durante os três ou quatro primeiros anos passados na plantação, morriam em proporções consideráveis, de modo que, ao final deste período, só permaneciam vivos 28 a 30% dos escravos capturados (um de cada três ou quatro). Os engenhos cubanos, onde trabalhava-se até quase 20 horas por dia, ou nas plantações brasileiras, destruíram-se vidas humanas em grande quantidade, substituindo-as por novas importações. Isto era mais rentável do que fazê-los trabalhar menos para que vivessem mais, ou reproduzi-los e criá-los, já que, como disse um proprietário cubano, "quando pode trabalhar, o negro que nasce em casa custou mais que o de igual idade, comprado em feira pública".
A escravidão "moderna" surgiu das necessidades de um sistema econômico novo, justificando-se, essencialmente, por razões econômicas. [...] A Constituição norte-americana, que diz que "todos os homens são iguais", não considerou inadequado que, nos Estados Unidos, chegasse a haver quatro milhões de escravos, o que os convertia na maior potência escravista do mundo [....].
[...]
[...] a metade de todos os escravos que saiu da África entre 1700 e 1900, nos dois séculos de ilustração e progresso cultural, seus compradores foram brancos, europeus, cristãos e civilizados. [...]
[...]
À espera de venda de escravos
A escravidão desapareceu legalmente há pouco tempo. Em 1944, na "26ª conferência internacional do trabalho", proclamou-se: "O tráfico de escravos e a escravidão em todas as suas formas serão proibidos e suprimidos". Em 1948, as Nações assumiram este princípio na Declaração de Direitos dos Homens e, em 1954, constituíram um comitê para vigiar o seu cumprimento. A Arábia Saudita aboliu-a, oficialmente, em 1962 (ainda que haja notícias de peregrinos que tenham ido a Meca levando escravos como cheque de viagem) e os sultanatos de Mascate e de Omãn em 1970, mas parece persistir, nos dias de hoje, no Sudão (não apenas na África, entretanto: faz alguns anos que uma mulher de Detroit vendeu seu filho aos traficantes de drogas para pagar uma dívida de mil dólares).
A pérola do mercador
Alfredo Valenzuela
Puelma
O racismo servia, também, para justificar diversas formas de discriminação no interior das próprias populações europeias, como no caso dos judeus ou dos mouros na Península Ibérica, que não foram expulsos por não serem cristãos [...] mas por serem diferentes. Conversos e mouriscos (descendentes de judeus e de muçulmanos convertidos) permaneciam estranhos e perigosos, ainda que fossem cristãos. Na Baixa Idade Média, os "cristãos velhos" sentiam repugnância pelos judeus porque cozinhavam com azeite de oliva em vez de gordura de porco, considerando esta "cozinha mediterrânica" repulsiva. [...] a convicção da superioridade racial do "cristão velho" permanecerá até o século XX.
Com os mouriscos conversos ocorreu de forma semelhante. O problema nem era sua religião. Nos inícios do século XVII, Cervantes lhes acusava de, principalmente, trabalhar e poupar em demasia [...]. Pediu sua expulsão, que efetivamente aconteceu e em condições desumanas [...].
No século XIX, os argumentos raciais foram utilizados para legitimar as diferenças sociais na Europa e, em especial, para justificar a superioridade da aristocracia, integrada pelos descendentes de uma raça superior de conquistadores [...], dominadores naturais de uma população racialmente distinta e inferior [...]. A decadência dos impérios e das civilizações era explicada, precisamente, pela mescla de sangues que, com hibridismo, conduzia à degeneração das raças criadoras.
Estas ideias raciais foram o fundamento da política nazista, que exterminou mais de cinco milhões de judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e outros "seres inferiores" em nome do princípio de que pertenciam a espécies diferentes do ariano germânico, e que reinventou as regras da escravidão nos campos de concentração. [...]
Vítima do fascismo
Siqueiros
Por outro lado, o racismo do século XX está muito longe de limitar-se ao dos nazistas. No período que sucedeu a Primeira Guerra Mundial - uma época que assistiu o auge da Ku Klux Klan, com mais de dois milhões de seguidores - praticou-se, nos Estados Unidos, uma política de esterilização de "variedades biológicas (humanas) socialmente inadequadas" e executou-se uma política de restrições à imigração destinada a "manter puro o sangue da América", favorecendo a entrada de indivíduos da "raça nórdica" e dificultando a de pessoas dos povos mediterrâneos, de eslavos, de judeus e de outras raças inferiores.
Trabalhadores escravos russos libertados de um porão.
FONTANA, Joseph. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: EDUSC, 2000. p. 212-222.
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