Pintura nas rochas de Jabarén, no deserto do Saara, África. São reminiscências do período em que aquela região era fértil.
A mais marcante das singularidades africanas é o fato de seus povos autóctones terem sido os progenitores de todas as populações humanas do planeta, o que faz do continente africano o berço único da espécie humana. Os dados científicos que corroboram tanto as análises do DNA mitocondrial quanto os achados paleoantropológicos apontam constantemente nesse sentido.
Mulher e criança Khoisan
O continente africano, palco exclusivo dos processos interligados de hominização e de sapientização, é o único lugar do mundo onde se encontram, em perfeita sequência geológica, e acompanhados pelas indústrias líticas ou metalúrgicas correspondentes, todos os indícios da evolução da nossa espécie a partir dos primeiros ancestrais hominídeos. A humanidade, antiga e moderna, desenvolveu-se primeiro na África e logo, progressivamente e por levas sucessivas, foi povoando o planeta inteiro. Portanto, as atuais diferenças morfo-fenotípicas entre populações humanas - as chamadas "raças" - são um fenômeno recente na história da humanidade (presumivelmente do final do Paleolítico superior, 25000 a.C. - 10000 a.C.). E a ciência já descartou como anticientífica a ideia de que o morfo-fenótipo possa incidir de algum modo nos processos intelectuais de socialização ou de aquisição/aprimoramento de conhecimentos. [...]
A história da espécie humana se confunde com a própria história da África, onde se originaram, também, as primeiras civilizações do mundo. Cada novo descobrimento da paleantropologia ou da antropobiologia no continente africano provoca novas ondas de choques e embates entre os cientistas, pois tais descobrimentos invalidam complexos esquemas teóricos até então tidos como definitivos, complicando ainda mais o quadro das interpretações sobre a evolução humana.
As novas interpretações dos dados científicos remetem à grande complexidade do acontecer humano como um dado essencial e permanente da história. Ao mesmo tempo, geram a necessidade de realizar constantes atualizações da história do continente africano. Essa situação deve ser celebrada, pois enfraquece cada vez mais os velhos mitos e esquemas preconceituosos que chegaram até a colocar em dúvida a própria essência humana dos seres africanos. Ora, a história da humanidade começa precisamente com os primeiros seres humanos africanos, seres dotados de consciência, de sensibilidade, e não somente de inteligência.
Jovem Khoisan
Certa tradição eurocêntrica e hegemônica costuma alinhar o fato histórico com a aparição, recente, da expressão escrita, criando os infelizes conceitos de povos "com história" e de povos "sem história", que, eventualmente, o etnólogo Lucien Levy-Bruhl iria transformar em "povos lógicos" e "povos pré-lógicos". Mas a história propriamente dita é a interação consciente entre a humanidade e a natureza, por uma parte, e dos seres humanos entre si, por outra. Por conseguinte, a aparição da humanidade como espécie diferenciada no reino animal abre o período histórico. O termo "pré-história", tão abusivamente utilizado pelos especialistas das disciplinas humanas, é uma dessas criações que doravante deverão ser utilizadas com maior circunspeção.
WEDDERBURN, Carlos Moore. In: Brasil. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: MEC/BID/UNESCO, 2005. p. 135-137.
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