Uma das grandes novidades do final do século XIX: o cinema. Cartaz de 1896, desenhado por Henri Brispot.
Lentamente, o cotidiano das pessoas, sobretudo das que moravam nas cidades, começou a sofrer a imposição de uma espécie de colonização microscópica e diária:
* a vida ganhou novos ritmos, baseados na rapidez, na tensão do dia a dia e na necessidade de deslocamento constante;
* as pessoas modificaram seus hábitos culturais - começaram a frequentar os cinemas, a escutar os fonógrafos, a falar ao telefone e a participar de manifestações públicas;
* foram criados vários padrões de consumo, como tomar café, trocar constantemente o vestuário, adquirir móveis modernos;
* hábitos de higiene e saúde ganharam importância no cotidiano - as pessoas passaram a ter banheiro interno nas residências, a estabelecer rituais de limpeza pessoal, a tomar remédios, a frequentar médicos, etc.;
* diferentes atividades esportivas conquistaram adeptos, desenvolvendo-se as regatas, o futebol e outros esportes coletivos.
"[...] os veículos automotores, os transatlânticos, os aviões, o telégrafo, o telefone, a iluminação elétrica e ampla gama de utensílios eletrodomésticos, a fotografia, o cinema, a radiodifusão, a televisão, os arranha-céus e seus elevadores, as escadas rolantes e os sistemas metroviários, os parques de diversões elétricas, as rodas-gigantes, as montanhas russas, a seringa hipodérmica, a anestesia, a penicilina, o estetoscópio, o medidor de pressão arterial, os processos de pasteurização e esterilização, os adubos artificiais, os vasos sanitários com descarga automática e o papel higiênico, o sabão em pó, os refrigerantes gasosos, o fogão a gás, o aquecedor elétrico, o refrigerador e os sorvetes, as comidas enlatadas, as cervejas engarrafadas, a Coca-Cola, a aspirina, o Sonrisal e, mencionada por último mas não menos importante, a caixa registradora". (Nicolau Sevcenko. Introdução. In: _____ (org.). História da vida privada no Brasil: da Belle Époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3. p. 9-10.)
Os centros urbanos, nos quais se moldava toda essa modernidade, irradiavam para as demais regiões os valores e símbolos de rapidez, educação, cultura, saúde, abastecimento, trabalho e serviços. A transformação foi tão marcante que as ideias de progresso, modernidade e civilização se associaram intimamente às cidades, ao passo que as ideias de tradição, conservadorismo e rusticidade permaneceram associadas ao campo. As pessoas passaram a procurar ainda mais as médias e grandes cidades, impulsionando o crescimento urbano e populacional desmedido e a formação de grandes metrópoles.
Essas transformações científicas e tecnológicas, de acordo com o historiador Geoffrey Barraclough, atuaram ao mesmo tempo como "solventes da velha ordem" e "catalisadores de um novo mundo". Nesse período criou-se a ilusão de que a humanidade vivia um processo de avanço científico sem interrupções, sempre alcançando graus mais elevados de complexidade.
Argumentos como esse foram muito utilizados para justificar a escalada de ocupação territorial realizada pelos países europeus no restante do mundo: o "fardo do homem branco" seria levar a civilização e o progresso a todos os cantos do planeta. Porém, nem sempre o que se chama de "civilização" e de "progresso" significa um salto positivo compartilhado por todas as pessoas e por todas as sociedades.
No fim do século XIX havia sociedades - e ainda existem muitas - que partiam de princípios e de uma lógica de funcionamento distintos dos da sociedade europeia, para as quais a tecnologia e as máquinas tinham significado distinto ou nem mesmo representavam algo. As sociedades que, naquele período, não viviam de acordo com os princípios da "civilização" e do "progresso" acabaram sendo dizimadas (como ocorreu com os povos indígenas nos Estados Unidos) ou profundamente transformadas (como ocorreu na Índia e no Japão). Mas nada disso aconteceu sem resistência ou muita luta.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História: Geral e Brasil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 195-197.
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