[A Idade Média] conservou o nome que lhe foi dado pelo Renascimento e que tinha, no começo, um sentido pejorativo: [era] uma época cruel ou "tenebrosa", ao mesmo tempo violenta, obscura e ignorante. Sabemos, atualmente, que essa imagem é falsa, mesmo que tenha existido uma Idade Média da violência: não apenas contra judeus, com o começo do antissemitismo, e repressão contra os rebeldes aos ensinamentos da Igreja, aqueles que eram chamados de "hereges", por meio da Inquisição. As Cruzadas, evidentemente, também fazem parte do balanço negativo.
Mas a Idade Média foi também, acho até que principalmente, um grande período criativo. Podemos ver isso nos domínios da arte, das instituições, sobretudo nas cidades (por exemplo, nas universidades), ou ainda no campo do pensamento - a filosofia que chamamos de "escolástica" atingiu altos patamares do saber. Também vimos até que ponto a Idade Média criou "lugares de encontro" comerciais e festivos (as feiras, as festas), que continuam a nos inspirar.
Iluminura medieval que mostra uma cena de aula numa universidade. O professor, de sua cátedra, lê sua lição, e os alunos acompanham com seus livros.
Além disso, a Idade Média realizou uma curiosa combinação entre a diversidade e a unidade. A diversidade é o nascimento daquilo que começa a constituir as Nações: a França e a Alemanha, a partir do século IX, a Inglaterra, no final do século XI, e também a Espanha, quando Castela e Aragão se reuniram pelo casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, no final do século XV. A unidade, ou uma certa unidade, vem da religião cristã, que se impõe por toda parte. [...] Essa religião reconhece a distinção entre clérigos e leigos, de modo que podemos dizer que a Idade Média, de modo geral, marcou o nascimento de uma sociedade leiga. [...]
Falta dizer que a Idade Média foi o período no qual surgiu e foi construída a Europa. Se cada período de civilização tem um papel, uma missão, no conjunto do desenvolvimento histórico, podemos dizer que a missão da Idade Média foi a de permitir o nascimento, de "engendrar" a Europa. Devemos hoje procurar consolidá-la e completá-la; a Idade Média legou, portanto, à Europa um movimento ao mesmo tempo de unidade e diversidade, que ainda pode servir de inspiração.
Não é por acaso que o termo "Europa", pouco frequente nos escritos da Idade Média, surge na metade do século XV, no título de um tratado atribuído ao papa Pio II.
LE GOFF, Jacques. A Idade Média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p. 111-113.
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