Artesãos egípcios. Tumba de Nebamum e Ipuki, Tebas, XVIIIª dinastia. Artista desconhecido.
"Sê escriba. Não terás canseiras e ficarás preservado de outros tipos de trabalho. Não terás de transportar a enxada, a picareta e o cesto. Não terás de guiar o arado e serás poupado de todos os tipos de canseira.
Deixe que te recorde o estado miserável do camponês: quando chegam os funcionários para fixar a taxa da colheita, as serpentes já levaram metade do cereal e o hipopótamo comeu o resto. O pássaro voraz é uma calamidade para os camponeses. O trigo que restava na eira desapareceu, os ladrões levaram-no. Não pode pagar o que deve pelos bois que pediu emprestados; além disso, os bois morreram de tanto lavrarem e debulharem. E já o escriba atraca à margem do rio para calcular o imposto sobre a colheita, com um séquito de servos armados de bastões e de núbios com ramos de palmeira".
(Sátira dos ofícios. Citado por CAMINOS, Ricardo A. "O Camponês". In: DONADONI, Sérgio (dir.). O homem egípcio. Lisboa: Presença, 1994)
[...]
Os artesãos da Antiguidade
(escultores, tecelões, pintores, ourives, ferreiros, carpinteiros, barqueiros e
outros) dependiam dos reis e dos nobres para as encomendas, a obtenção de
matéria-prima (muitas vinham de terras distantes) e de ferramentas para sua
atividade. Caprichavam no seu trabalho para garantir os pedidos e assegurar
seus ganhos. Alguns, por sua habilidade e criatividade, passavam a morar no
palácio e se tornavam profissionais exclusivos do rei e de sua corte. Para
esses clientes tão especiais, os artesãos e artesãs usavam as melhores
matérias-primas. As madeiras nobres ou raras, o mais puro metal, o couro mais
macio, a argila mais fina e os melhores corantes eram, em geral, de uso
exclusivo de camadas privilegiadas da população, que se interessavam mais pela
raridade e luxo da peça do que por sua praticidade. Era uma forma de ostentar
riqueza e poder. Daí a História ter conservado o nome dos usuários das peças –
espada do rei tal, anel da princesa fulana de tal etc. -, enquanto aqueles que
as manufaturaram ficaram no anonimato.
[...]
Muitas pessoas apreciam só as
peças caras expostas em um museu ou nas vitrines das lojas, reproduzindo a
mesma atitude de reis e nobres do passado, que desvalorizavam o trabalhador
artesanal e braçal. Também ignoram que muitos objetos ainda em uso atualmente
são iguais aos primeiros feitos há séculos ou milênios. O arado, por exemplo,
usado hoje por lavradores pobres em muitos países, é do mesmo tipo do utilizado
pelos primeiros agricultores neolíticos.
[...]
No passado, as dificuldades de
obtenção de matérias-primas de qualidade e o trabalho escravo foram causas do
retardamento tecnológico. Governantes e senhores de escravos não se
interessavam por inventos ou melhorias técnicas destinadas a poupar seus
escravos do trabalho duro e estafante. O arado, a cerâmica, o tear, as
ferramentas, a metalurgia e o tingimento pouco evoluíram durante milhares de
anos, desde a sua criação no final da Pré-história.
Por outro lado, as exigências do
consumidor de poucas posses contribuíram muito para o desenvolvimento técnico e
tecnológico. Homens e mulheres do povo desejavam artigos tão bonitos e vistosos
como as jóias e as túnicas de cor púrpura dos nobres, obviamente sem pagar os
preços exorbitantes que custavam. Isso estimulou comerciantes e artesãos a
procurarem alternativas mais baratas para atendê-los. O vidro, por exemplo,
quando bem confeccionado, substituía a pedra preciosa em colares, brincos e
pulseiras. Uma mulher do povo podia comprar uma jóia falsa por um preço modesto
e ficar muito satisfeita com o resultado. Para tingir tecidos, os artesãos
encontraram um substituto para a púrpura: a urzela, um vegetal que nasce sobre
rochas e árvores que, ao ser molhada com urina, torna-se um excelente corante
vermelho. Seu custo era baixo e atendia à clientela de poucas posses.
[...]
RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto.
São Paulo: FTD, 2002. p. 142-143.
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