"Os escravos eram colocados nas ruas diante das portas dos proprietários [...] deitados ou sentados [...] em número que atingia, às vezes, duzentos ou trezentos. [...] Seu alimento é carne salgada, farinha de mandioca e às vezes banana-da-terra [...] À noite os escravos são conduzidos a um ou mais armazéns e o condutor fica em pé, contando-os à medida que eles passam. [...] O comprador dá a cada um dos escravos recém-comprados um grande pano [...] e um chapéu de palha e leva-os o mais depressa possível para a sua fazenda".
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. São Paulo: Nacional, 1942.
As gravuras, os diários pessoais e as cartas são fontes preciosas para os historiadores reconstituírem o passado. Infelizmente, a história do Brasil Colonial contém poucos documentos desse tipo. Certamente contamos com alguma produção literária e artística realizada por membros da elite colonial. Porém, os documentos não-oficiais, escritos por pessoas comuns relatando o seu dia-a-dia, são raríssimos, já que a grande maioria da população colonial era analfabeta. Isso dificulta conhecermos vários aspectos desse período histórico, como a vida familiar, a infância, as paisagens naturais, os animais nativos, as doenças e os remédios caseiros etc.
A maioria das informações que temos sobre os dois primeiros séculos de colonização foram registradas por estrangeiros que estiveram no Brasil como náufragos ou invasores. Os religiosos franceses André Thevet e Jean de Léry, o marinheiro alemão Hans Staden, no século XVI, e os pintores holandeses Frans Post e Albert Eckout, no século XVII, deixaram relatos minuciosos e imagens primorosas do que viram no Brasil: costumes indígenas, animais (para eles) exóticos, plantas e frutas tropicais.
Vista de Itamaracá, Frans Post
Somente no século XIX, as autoridades portuguesas permitiram a entrada de estrangeiros no Brasil. A partir de então surgiram numerosos trabalhos de grande importância científica e artística sobre o Brasil. Inicialmente vieram os ingleses: Thomas Lindley (1802), John Mawe (1807), John Luccok (1808) e Henry Koster (1809). Todos eles escreveram livros sobre sua experiência no Brasil. A descrição do Rio de Janeiro feita pelo comerciante John Luccok (Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil), por exemplo, nos permite conhecer o crescimento urbano da capital entre 1808 e 1818 e nos informa sobre a burocracia existente na alfândega e as atividades comerciais da época.
Com a abertura dos portos, chegaram grupos de cientistas de diferentes nacionalidades, que, acompanhados de desenhistas e pintores, lideraram expedições pelas selvas brasileiras. O zoólogo austríaco J. B. von Spix e seu colega, o botânico Karl P. von Martius, percorreram mais de 20 mil quilômetros pelo interior do Brasil entre 1817 e 1829. Coletaram e desenharam um material gigantesco: plantas, animais (mamíferos, aves) e objetos indígenas. Somente sobre botânica, o trabalho de Spix e Martius rendeu uma obra em quarenta grossos volumes com 3,811 ilustrações, na qual foram classificadas mais de 20 mil espécies de plantas brasileiras, das quais 6 mil eram desconhecidas. Essa obra foi continuada após a morte de Martius, levando 66 anos para se completar.
Bonnetia anceps, Karl P. von Martius
O francês Saint-Hilaire, entre 1816 e 1822, viajou mais de 12 mil quilômetros pelo sertão, em lombo de mula, a pé ou em frágeis canoas indígenas. Realizou uma obra grandiosa sobre a flora brasileira em nove volumes. Para os historiadores, seus relatos têm uma importância especial: eles abrangiam também aspectos sociais, históricos e culturais sobre o Brasil da época.
Outra importante expedição científica foi a organizada pelo barão alemão George H. von Langsdorff. Com uma equipe de 34 homens, percorreu 16 mil quilômetros em duas expedições realizadas entre 1824 e 1829, coletando milhares de amostras de plantas. Um dos pintores da expedição era o francês Hércules Florence. Entre mais de 200 gravuras suas, destacam-se as imagens de povos indígenas, que, hoje, são usadas como referência aos antropólogos pela riqueza de detalhes das pinturas corporais, arte plumária, objetos, armas etc.
Índios guaná, Hércules Florence
Outro pintor que acompanhou Langsdorff foi o alemão J. M. Rugendas. Depois de desligar-se da expedição, percorreu sozinho muitas províncias brasileiras, retratando aspectos da natureza e da sociedade. Retornou ao Brasil duas vezes (em 1831 e em 1847). Realizou milhares de aquarelas, desenhos e esboços sobre o Brasil, sua gente, suas cidades e suas paisagens. Seu livro Viagem Pitoresca através do Brasil tem um imenso valor artístico e documental.
Enterro, J. M. Rugendas
Entre os diários estrangeiros, merece destaque o da inglesa Maria Graham. Mulher culta, observadora, esteve duas vezes no Brasil (em 1821 e em 1823) e tornou-se amiga da imperatriz Leopoldina (esposa de d. Pedro I). Seu livro Diário de uma Viagem ao Brasil é um documento valioso sobre nossa vida social e política no início da Independência.
Em 1816, por iniciativa de d. João VI, chegou ao Brasil a Missão Francesa, um grupo de 46 artistas e mestres artesãos franceses, com o objetivo de ensinar pintura e escultura. Muitos deles apoiaram Napoleão e, com sua derrota, não encontravam ambiente para trabalhar na França. Eles influenciaram por diversos anos o gosto artístico da aristocracia brasileira. J. B. Debret participava do grupo e acabaria ficando quinze anos no Brasil. Quando voltou a Paris, em 1831, publicou sua Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, no qual retratou em belíssimas gravuras indígenas, florestas, escravos, artesãos, aristocratas, militares, autoridades, cenas urbanas e rurais e acontecimentos políticos.
Escravas negras oriundas de diversas tribos africanas trazidas para o Brasil, J. B. Debret
As obras desses estrangeiros são de grande importância para os estudiosos. Ainda hoje, os especialistas consultam suas observações, seus desenhos minuciosos e a classificação que fizeram de plantas, macacos, insetos, aves etc. Para os historiadores são uma fonte inesgotável de informações sociais e políticas. Grande parte desse valioso material encontra-se espalhada por museus e bibliotecas da Áustria, Alemanha, Rússia, Polônia, Inglaterra e França.
RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2002. p. 122-5.
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